Arquivo de ‘imprensa’ Categoria

Guerreiros de Selva

Postado por Vanessa Rodriguesem 6 de Junho de 2011

selvaaaNão dormem, nadam com jacarés, rastejam na mata da Amazónia e sonham com uma onça no peito. A ONU considera-os «os melhores do mundo». A NS’ acompanhou-os durante dois dias. Os guerreiros do exército do Brasil fazem mesmo tudo por ela: «Selvaaa!»

(LER MAIS) Guerreiros de Selva-VanessaRodrigues

Publicado a 4 de Junho de 2011 na revista “Notícias Sábado”, jornal Diário de Notícias. Reportagem de Vanessa Rodrigues

ilha léve-léve

Postado por Vanessa Rodriguesem 3 de Junho de 2011

stooVestida de verde opulento, bananeiras, mãe de cacau e café das roças, São Tomé é ilha fértil, paradisíaca, de generosa gente e tempo suspenso. Praias desertas, tropicalidade e savanas a tombar em mar; de um crioulo adocicado a agarrar linguajar português. Ainda respira contrastes, de terra social por cumprir, num lento caminhar de autonomia. Mas quem lá vai, atestamos, fica, assim, léve-léve! LER MAIS EM ALMA DE VIAJANTE

povo mura

Postado por Vanessa Rodriguesem 27 de Julho de 2010

meninamuraClicar no link para abrir o PDF da Reportagem publicada na revista Pública, jornal Público, 11 de Julho de 2010, em Portugal.

publicapovomura

Para ver as fotos originais em slideshow com áudio ir aqui

MST|pb

Postado por Vanessa Rodriguesem 26 de Abril de 2010

Tecnobrega|Pará

Postado por Vanessa Rodriguesem 4 de Abril de 2010

“Aí amigo, esse é o melhor som do Pará”

Ponha o volume no máximo, isto é pirataria “legal”. Isto é o grande sucesso no estado brasileiro do Pará. Isto é tecnobrega: música pimba, sintetizada, com sons da pop internacional

por Vanessa Rodrigues, Publicado em 23 de Março de 2010

Direitos Reservados

Direitos Reservados

Jornal I

O carro entra na pequena praça, veloz. O motor ronca, arrasta-se estrondoso, como se esperasse a ordem para a partida num rali. Zás: o condutor trava a fundo até os travões chiarem, pára no meio da praça, sai do carro, abre a mala e, com o comando na mão, liga a aparelhagem. Volume no máximo: as colunas de som palpitam sons sintetizados. “Super Pop, Super Pop, Jogue a mão para cima, bate palma e faz o esse/ DJ Ery: eu tô fora, DJ Juninho: olhar de bobo, SUPER POP.” Mal se ouve a Soani resmungar. “Estava tudo tão sossegado e já vai começar esta gritaria.”

Do burburinho de gente ao pico dos decibéis das colunas da mala do carro, a gritaria a que ela se refere, intolerante, é o som do sucesso desde 2003 no Pará, Brasil. Chama-se tecnobrega: mistura sons do brega dos anos 80 (o pimba brasileiro) com melodias da pop internacional sintetizadas (Britney Spears, Beyoncé), latino-americanos (Shakira) ou ainda do forró nordestino. As letras são depois reinventadas, originais. Há, por exemplo, uma versão do “Beat It” do Michael Jackson: “Firme/Firme/Firme/Nessa noite eu vou estar firme”. Ou se gosta muito, ou se odeia.

Era domingo à noite, daquela vez, com Outubro já no fim: a pequena praça de Curuçá, no Interior Norte paraense, no Brasil, tinha uma roda gigante, carregando crianças eufóricas de cada vez que descia, néons de feira popular, caipirinhas, cerveja e guaraná fresco. A Soani Melo, esta paraense de traços indígenas, estava muito irritada. “Essa galera do tecnobrega é incrível. Param o carro em todo o lado. Põem o volume no máximo e obrigam-nos a ter de ouvir essa música horrorosa, que começa sempre da mesma maneira.” Primeiro uma batida electrónica repetida tipo sample de acompanhamento de órgão, depois sintetizadores e uma voz melada. Naquela noite, outro carro com o volume ainda mais alto e uma voz metálica, gravada, disputava a praça: “E aí amigo, tá indo embora; derrotado? Este é o melhor som do Pará. Ahahahahaha!”

Este final de semana “DJ Roberto vai arrasar”

O “verdadeiro som” é ao fim–de-semana. Há cartazes espalhados e carros com megafone a circular nas vilas. É no mercado de espectáculos que os DJ de tecnobrega ganham dinheiro. É “pirataria institucionalizada”, aprova o DJ marajoara Roberto Penante, que trabalha numa loja de electrodomésticos durante a semana, no centro de Soure, na ilha do Marajó (no estado do Pará) e, ao fim-de-semana, “arrasa a casa de shows de Salvaterra” – outra cidade principal da ilha. “O negócio é o seguinte: a galera põe várias músicas num site público, você baixa as músicas, pega em seu programa e remistura os sons.”

Os CD vendem-se nas ruas, pirateados, a pouco mais de dois euros; ou gravam–se entre amigos. Ninguém pensa em direitos de autor. “O negócio é livre.” São milhares de músicas por mês. O computador do Roberto tem centenas de pastas com novidades.

Segundo um estudo dos antropólogos Ronaldo Lemos e Oona Castro (“O Pará reinventando o negócio da música”) o tecnobrega, “mais do que um estilo musical é um mercado que criou novas formas de produção e distribuição”, com o uso de novas tecnologias, em que “o consentimento à reprodução a impede de ser considerada uma actividade estritamente ilegal”. Traduzindo: é um modelo de negócio “aberto, viável e sustentável” que “resiste à indústria fonográfica tradicional”: os artistas renunciam aos direitos em troca de divulgação. “Mesmo os sectores conservadores e os media tiveram de se curvar perante o sucesso fenomenal do tecnobrega.”

Livre de produtoras

O segredo do negócio do tecnobrega parece, então, estar ao alcance de qualquer um que tenha um programa de DJ. Depois é entrar no circuito comercial. Festas de aparelhagem na rua (o fenómeno vem até nos guias turísticos), armazéns de tecto de zinco, feiras populares, bares, salões de dança de terra batida. Apesar de o tecnobrega ser exclusivo do Pará, agarrando ainda um pouco as margens do estado do Amapá – com influências mais caribenhas -, é conhecido em todo o Brasil, sobretudo depois de a Banda Calypso, que inaugurou o modelo de negócio do tecnobrega livre de produtoras, ter aparecido no famoso “Domingão do Faustão” da Globo.

Particularidades: há aparelhagens instaladas nas malas de carros mais caras do que as viaturas; mais potentes e sofisticadas do que as casas pobres de madeira do Interior paraense (importante: volume máximo).

Sintonizar Tecnobrega em todo o Pará

Facto: o tecnobrega disseminou-se nos lugares mais remotos do estado: aquele rádio na mercearia mais distante nas margens do Amazonas; aquela aparelhagem numa casa flutuante no rio Negro. Depois, sentido Marabá-Ourilândia do Norte, Sudeste do Pará, de carrinha pública. Considerada terra “sem lei”, sob a constante forca dos conflitos de terra e impunidade. Nos bancos de trás, os passageiros (garimpeiros, sem–terra, gente à procura de outra vida) vão menos tristes ao som da rádio. As colunas de som estremecem. Alguns abanam o corpo. O motorista é fã de tecnobrega. A Banda Djavu, outra das mais famosos do Tecnobrega, fez um cover” da música “Colgado em tus manos” do venezuelano Carlos Baute, dueto com a espanhola Marta Sanchéz. “Te envio uma foto jantando em Veneza/E quando estivemos por Fortaleza/Sei que me recordo e tenho presente: meu coração está colado em tuas mãos/Cuidado, Cuidado”. É o sucesso. Alguém pede para aumentar o volume. Não dá mais. Já a seguir: “Anjos do Melody”, DJ Marlon Brando, Melody da canelada. Programa especial do tecnobrega do Pará.

Mais a norte: Outubro de 2009. Fim do dia. Um barco de linha Belém-Manaus recolhe âncora para seis dias de viagem, subindo o Amazonas. Por uma semana, a vida dos passageiros seria comer, dormir, dançar no bar da popa no navio, com cerveja na mão, e tecnobrega no corpo. Já noite, a melodia pareceria familiar. “Rise Up” do suíço Yves LaRock? “No Comando DJ 007: Gatinha, cê gosta mais de Red Label, ou Ice? [bis] Para mim tanto faz, ou Red Label ou Ice (bis) Ice, Ice, Ice, Ice, Ice, Ice, Ice…” Seria assim por sete dias. É assim todos os dias, com as novidades do tecnobrega (mais uma vez, não esquecer: volume no máximo).

MAIS: Galeria de FOTOS no Jornal I

Amazónia polui

Postado por Vanessa Rodriguesem 25 de Janeiro de 2010

Publicado no DN, 24 de Jan’ 2010

fabrasilAmazónia, o ‘pulmão do mundo’, é também o paraíso que mais polui

Por Vanessa Rodrigues, em Manaus

Se não se ouvisse este barulho, ensurdecedor e contínuo, de um motor que parece querer roncar, mas não chega a fazê-lo, a comunidade Novo Céu, a cinco horas de Manaus, estaria no breu, quando a noite cai. São dois geradores a funcionar o dia todo, a desafiar a lei do ruído, que saem da termoeléctrica para garantir que haverá televisão, frigorífico e luz em todas as casas, por ali, durante todo o dia.

Para as centenas de famílias que ali vivem, a luz trouxe “o progresso”, a cerveja “gelada”, os congelados e, sobretudo, a telenovela. Há, ainda, centenas de outras comunidades, algumas a dias de viagem das cidades mais próximas, ao longo da Amazónia, que, ou racionam a energia dos geradores ou nem sequer sabem o que é ter luz.

Só que a conta ambiental que se paga pela electricidade na região, vinda das termoeléctricas, é demasiado alta para a Amazónia, para o Brasil, e beneficia um propalado aquecimento global: os geradores das termoeléctricas usam gasóleo. Aquele fumo espesso, escuro; aquele cheiro azedo a queimado: mais de seis milhões de toneladas de dióxido de carbono são despejados pelas cerca de 300 centrais termoeléctricas que dão luz a sete estados da Amazónia. São estes números, menos conhecidos, além do desmatamento, que engrossam a conta do Brasil como o quinto maior poluidor do mundo.

A floresta amazónica é considerada um dos “pulmões do mundo”, um laboratório de biodiversidade; com características geográficas peculiares, um paraíso ambiental. Só que é, também, uma das regiões mais poluentes, que não produz gasóleo para alimentar as termoeléctricas de que dependem milhares de famílias. Imagine-se um labirinto de rios e afluentes e tem-se uma ideia do que é a Amazónia. Então, como consegue chegar esse derivado de petróleo?

O rio Amazonas é rio-mar, extenso, profundo, por isso, mensalmente, conseguem atracar, em Manaus, pelo menos cinco petroleiros carregados de 180 milhões de litros de gasóleo para as abastecer. De onde vêm? Percorrem mais de seis mil quilómetros, em 15 dias (na melhor das hipóteses porque a oscilação de cheias e secas dos rios pode tornar a viagem num périplo desgastante) do Sudeste brasileiro até Manaus, numa operação que custa cerca de quatro milhões de euros, por mês. Às vezes, também, é importado da Venezuela, Coreia do Sul, Índia e EUA.

De Manaus, o petróleo segue para outras regiões em camiões e barcos. Há trajectos pesados e morosos, como o que vai até Cruzeiro do Sul, no Acre, em 25 dias, e que tem mais quatro mil quilómetros de viagem de barco pelos rios sinuosos da região. As condições chegam a ser adversas e contraproducentes: dependendo do destino do petróleo pode chegar a gastar-se dois litros de combustível para transportar cada litro que vai alimentar a termoeléctrica. A viagem é longa, cara, criou já uma dependência e a maioria dos moradores da Amazónia precisa racionar a energia, por si também, onerosa, para ter luz o mês todo.

Só que se não for o barulho ensurdecedor do gerador, com esse cheiro a gasóleo queimado, não haverá luz na Amazónia. Dizem os especialistas que é “difícil” mudar o cenário. A densa floresta galgada por rios muito largos torna “impossível” instalar linhas de distribuição; há pouco vento para eólicas e os projectos de energia solar, a energia limpa mais viável para a região, não saem do papel.

Amazónia, o ‘pulmão do mundo’, é também o paraíso que mais polui

Ayahuasca, chá Amazónia

Postado por Vanessa Rodriguesem 10 de Janeiro de 2010

ayahuascaPublicado no DN, 10 Jan´2010

Viagem ao inconsciente, com o chá autorizado pelo Governo em rituais religiosos

por Vanessa Rodrigues, em Alter-do-Chão

“Traz rede, frutas, uma contribuição, e dorme bem esta noite”, diz-me a voz do outro lado da linha. “Podes ficar o tempo que quiseres”. É noite de lua cheia, por isso o ritual é “especial” e dura “um dia”, para quem quiser “usufruir” dos “verdadeiros poderes do chá”. Depois, a última recomendação: “Se estiveres a tomar algum remédio forte, é melhor não vires, porque o chá pode ter um efeito adverso.”

Não conheço a voz. Soube, através de amigos, da “Comunidade Irmandade Comuníndios Bandeira Branca”, em Alter-do-Chão, no Amazonas, que faz “rituais” com o famoso chá da Amazónia, a Ayahuasca. A curiosidade pelo líquido “sacramental” arrasta-me até lá. Falaram-me, já, da cabana redonda, no meio da floresta, onde são as cerimónias, das redes para descansar e das viagens “mentais”.

Uns pintaram, inventaram histórias, pensaram nos familiares, choraram, dançaram, riram, abraçaram e, no limite, dependendo das doses tomadas ou do grau de “elevação” mental, vomitaram. É que o líquido não é uma coisa agradável. Aqui chamado de Xamãe, é cor-de-terra, gosmento, e de uma ardência acre que desliza desde a boca até ao estômago.

“Como só ficas até ao fim do dia, o ideal é tomares apenas uma dose, para que o efeito passe”, diz-me a tal voz que, agora, sei ser do Paulo Brasil, da Comunidade Fraternidade Branca. Somos uma dúzia para a “cerimónia”. O chá é “feito em casa”, usado como forma de ascensão pessoal para autoconhecimento, diz Paulo, e aponta para o painel onde está a Resolução de 2004 do Conselho Nacional Anti-Drogas do Brasil, que permite o uso religioso da Ayhuasca. A campainha tine. Vibraria várias vezes, nas sete horas que lá ficaria, para quem quisesse repetir. Uma dose seria suficiente para que, uma hora depois, embalada na rede, olhasse para a floresta e visse cores fluorescentes como se fossem prismas coloridos; a palma da mão em câmara lenta, reconhecendo cada textura como se fizesse zoom in ; achasse que o corpo é um lugar estranho ao toque, mole, e bocejasse como se fosse a primeira vez. Os sentidos ficam hipersensíveis, em câmara lenta, e fechar os olhos é um processo de introspecção. É impossível adormecer: a mente está em hiperactividade, mesmo com a rede como embalo. A experiência é pessoal e lembramo-nos de tudo, até do Paulo a perguntar se está “tudo bem” e a dizer, no tom de voz pausado, igual ao da primeira conversa, por telefone. “Esta é uma viagem ao inconsciente, desfruta.”

Ver ainda:

“O cipó dos espíritos que veio dos incas”

Cipó dos espíritos

Postado por Vanessa Rodriguesem 10 de Janeiro de 2010

ayahuasca01

Publicado no DN, 10 de Jan’ 2010

Por Vanessa Rodrigues, em Alter-do-Chão

A Ayahuasca deve o nome ao dialecto Inca, significa “cipó dos espíritos”, e é feito a partir da decocção de duas plantas nativas da floresta amazónica: o cipó douradinho, que actua no sistema nervoso, e folhas de arbusto chacrona, que contêm o princípio activo dimetilpriptamina, com acções psicoactivas.

Era utilizado pelos Incas e por várias tribos indígenas na Amazónia, por isso expandiu-se, especialmente na América do Sul, devido ao crescimento de movimentos religiosos organizados, como o Santo Daime, Natureza Divina e a União do Vegetal, além das várias dissidências que se organizam, actualmente, em grupos independentes. Por isso, a forma de o preparar varia, de acordo com a comunidade.

No Brasil, o uso do “chá sacramental” é permitido, pelo Conselho Nacional Anti-Drogas, depois da Resolução de Novembro de 2004, que a legitima como “uso religioso”. Segundo estudos da antropóloga brasileira Bia Labate, os princípios activos da bebida alteram o estado de consciência, tornando os sentidos muito mais sensíveis. Os defensores da Ayahuasca consideram-no, um “gerador da divindade interna”, como forma de o indivíduo chegar ao “inconsciente” e usar essa informação para “autoconhecimento” e progressão individual, uma vez que durante o efeito do chá, ele nunca deixa de ter percepção do que lhe acontece.

Actualmente, além de a Ayahuasca ser usada em rituais religiosos em todo o Brasil, é usada, ainda, em pequenos núcleos espalhados por todo o mundo.

Ver ainda: “Ayhuasca, chá da Amazónia”

Carta a Sabá

Postado por Vanessa Rodriguesem 5 de Janeiro de 2010

isoladoPublicado no DN, 27 Dez’ 2009

Por Vanessa Rodrigues, em Manaus

(Uma crónica sobre um possível fim do mundo, dos mistérios do tempo, da riqueza da serenidade, das pequenas coisas, do isolamento, desse modo de vida, com tanto Rio-Mar a sufocar ou a ser vida das gentes de uma imensa e tanta Amazónia)

Sabe-se pouco porque é que vivias assim, longe de todos, como se o mundo não te interessasse. Interessava? Se mais gente soubesse da tua importância, tinhas razão, não te deixaria lá ficar, sozinho, a sofrer as dores da idade, e sem poderes contar sobre as rugas que o tempo te trouxera, ano após ano. Querias contar? Porque foste para lá? Sei que ninguém sabe, e que, se soubessem, não te deixariam em paz. Iriam querer ouvir as tuas histórias: as do único morador da Bolívia, no Alto Amazonas, num remoto Brasil.

Falavam tanto de ti “rio abaixo”. Tu, lá sozinho, perto do rio, no teu casulo de madeira, tecido com as tuas mãos – já nem te lembravas há quantos Verões. Ninguém acredita, se o contar, que os teus vizinhos mais próximos ficavam a um dia de viagem, de lancha. Muitos que te visitavam tinham de esperar horas (quem sabe dias) para te encontrar. Talvez fosse melhor assim, para que não te chateassem.

Não querias saber de mais nada, já que o teu mundo era mais perto e intenso que este de onde te escrevo. Dizem que aí o rio é como sangue do parentesco: une os ribeirinhos numa só família. Contaram-me que só querias saber das cheias e secas. Quando vinham, já sabias se haveria peixe ou quando devias pôr a espingarda às costas e ficar horas na selva para garantir os comes dos próximos dias.

Ninguém acredita que, em pleno século XXI vivias sem frigorífico, sem luz, sem cama, sem fogão a gás, sem nada que este nosso mundo acelerado já não dispensa, sem médicos por perto para te amparar quando sentisses dor, e que até essa atenuavas, com os saberes da selva, a “tua amiga”. E agora foste, há meses, já velhinho, porque quando sentiste dor ninguém estava lá para te dizer o que era.

A selva também achou que era melhor dar-te descanso das mezinhas que sabiamente colectavas. Afinal, já a conhecias demasiado, e ela precisa guardar determinados segredos, não vá o mundo, aquele que não quiseste conhecer, de onde te escrevo, invadi-la para a devastar, como andam a fazer mais perto da cidade, em toda a Amazónia, a dias de distância de ti.

E, Sabá: é verdade o que se conta? Que nos últimos anos de vida tinhas alguém para te enxugar as lágrimas (choravas?) e para te embalar a rede quando sonhavas (o que imaginavas?). Que havia uma mulher, a “Cigana” que ninguém via? O povo, “rio abaixo” conta que não estavas “muito bom da cabeça”. E que a “Cigana” não existia; que foi uma invenção da (senil) idade que a solidão te trouxe por não aguentares tanto silêncio.

Sabá, eu sei que achavas que ninguém ia contar a tua história. E que ela, afinal, não é assim tão importante, como talvez achasses. Também sei que nunca saberás que a soube por acaso, já depois de teres morrido, e que a resolvi contar para que saibam que jeito é esse de morar na Amazónia, isolado, sozinho. Só que o meu mundo, esse acelerado, perdoa-me, quer saber de ti, para não se esquecer da importância do teu mundo.

Seca Amazonas

Postado por Vanessa Rodriguesem 13 de Dezembro de 2009

secamanausPublicado no DN, 13 Dez’ 2009

Por Vanessa Rodrigues, em Manaus

Depois das cheias que fustigaram o território em Junho deste ano, a seca chegou à região e anda a desequilibrar o ecossistema e a subsistência de famílias ribeirinhas. Mais velhos contam que há 60 anos que não se via nada assim.

Cheira a queimado, há fumo no ar e pequenas labaredas na mata. Para a nova colheita, a maioria dos agricultores da Amazónia lança fogo ao terreno para que o “roçado” volte a ser fértil. Planta-se mandioca, que este ano está com uma “praga” de minhocas devido à seca. A floresta, nas margens dos rios amazónicos, está árida e desgastada da exposição ao sol. A pouca humidade anda a preocupar os ambientalistas que falam em “grandes mudanças” no ecossistema da Amazónia.

O que se passa com a canoa de Saruê, como é conhecido Nelson Dalva na região, é um bom exemplo do que eles querem dizer. Enquanto atravessa o rio Ariaú, afluente do rio Negro, no estado do Amazonas, Brasil, peixes pequenos começam a saltar para dentro da canoa, em voos desordenados. Ele apressa-se a devolvê–los ao seu habitat. “Mesmo quem não sabe pescar, nesta época de seca, consegue apanhar peixe facilmente. Há muito!”, diz. Por outro lado, admite, “há cardumes a morrer”.

A rabeta (pequeno motor) quase encalha num banco de areia. As hélices rangem furiosas. A canoa segue à deriva até encontrar um nível de navegabilidade. Nas margens, a lama seca encobre-as e as raízes das árvores estão descobertas. Alguns troncos estão queimados pelo sol. Nos galhos das árvores há rastos de vegetação seca, que as cheias deixaram em Junho. As enchentes desalojaram centenas de famílias e trouxeram uma crise de abastecimento a Manaus, a metrópole que parece “engolida” pela selva.

Agora a seca rasga a Amazónia fluvial. Estão 37 graus. O corpo não pára de suar, como se quisesse mostrar que tem mais poros que aqueles que conhecemos. A garganta parece ter cactos a arranhar. E a tontura é companheira assídua. Não há chuva há cinco meses. “Nesta altura do ano, era suposto já estar a chover; e está este calor infernal”, diz Saruê. “A natureza está desequilibrada.”

O nível da água está “demasiado baixo”. Fala-se em seca “histórica”. Os mais velhos contam que “só nos anos 60″ houve um cenário semelhante. Ouve-se falar que há famílias ribeirinhas com falta de água”. Onde andam os fartos rios da Amazónia que dependem das chuvas para se encherem de farta correnteza?

No arquipélago fluvial das Anavilhanas, inabitado, a água desceu mais de 20 metros. Os canais fluviais, chamados de igarapés, estão secos. Em Iranduba, no outro lado da margem de Manaus, as cheias encobriram parte do mercado durante dois meses. Agora, a água desceu. As casas flutuantes, comuns nesta região, devido à grande alteração no nível das águas, assentam em terra firme. Na aldeia de Murutinga, a sul de Manaus, onde mora a comunidade indígena descendente dos Mura, o nível da água desceu 20 metros. Todos falam que “já devia ter subido”. “E este rio, o que se passa?”, questiona o Braga, que vive ali há 42 anos. “Quem o viu em Junho não o reconheceria. A paisagem é outra.”

Nessa altura, a água chegou até ao posto médico, no alto da aldeia e as enfermeiras encostavam o barco à porta de entrada. A casa fica, agora, no alto de uma falésia, como se alguém tivesse sugado toda a água e deixado um charco para disfarçar. Para o ecologista Carlos Durigán, presidente da Fundação Vitória Amazónica, a situação na região é “preocupante”. “A Amazónia é responsável pelo equilíbrio do clima mundial e está a sofrer muito com as mudanças climáticas”, diz. “Esta seca é a prova disso.”

Casas Flutuantes

Postado por Vanessa Rodriguesem 13 de Dezembro de 2009

casasflutuantesPublicado no DN, 13 de Dez’ 2009

Por Vanessa Rodrigues, em Manaus

Casas flutuantes são igrejas, bares, restaurantes.Famílias inteiras que mudam de lugar conforme o rio

Num primeiro olhar parecem casas comuns de madeira. Dessas abundantes que se vêem nas margens dos rios da Amazónia, em terra firme, pintadas de cores vivas, como se fossem de bonecas. Algumas são igrejas evangélicas; outras, bares e restaurantes, ou moradas itinerantes que abrigam famílias inteiras.

Muitas têm vasos pendurados, imagens de santos à porta, pequenas canoas aportadas junto à entrada, antenas parabólicas no exterior e crianças a saltar das plataformas para o rio.

Nas traseiras, às vezes, quando anoitece, há famílias a tomar banho, ou a preparar o peixe para o jantar. Lá dentro há apenas duas divisões e redes suspensas em vez de camas.

Dorme-se cedo, porque o breu é maior que a parca luz das velas, que tenta iluminar os gestos das gentes que essas casas guardam. Com sorte, e com algum dinheiro a mais, algumas famílias compram gasolina para o gerador. Para quem o tem, luxo é sinónimo de ver televisão. E aqui, a hora da telenovela é sagrada.

Quando os barcos passam perto e acelerados, os pés sentem uma vibração vinda do chão: é flutuante. Essas pequenas casas frágeis, que têm o rio como vizinho e estrada, embalam-se com a corrente.

É nessas casas de rio, flutuantes, que moram centenas de ribeirinhos da Amazónia. Eles mudam de lugar conforme o nível do rio sobe ou desce. Sobem os metros que forem necessários para ancorar até quando o rio deixar. E nunca sabem quando será.

Num primeiro olhar parecem casas comuns de madeira. Dessas abundantes que se vêem nas margens dos rios da Amazónia, em terra firme, pintadas de cores vivas, como se fossem de bonecas. Algumas são igrejas evangélicas; outras, bares e restaurantes, ou moradas itinerantes que abrigam famílias inteiras.

Muitas têm vasos pendurados, imagens de santos à porta, pequenas canoas aportadas junto à entrada, antenas parabólicas no exterior e crianças a saltar das plataformas para o rio.

Nas traseiras, às vezes, quando anoitece, há famílias a tomar banho, ou a preparar o peixe para o jantar. Lá dentro há apenas duas divisões e redes suspensas em vez de camas.

Dorme-se cedo, porque o breu é maior que a parca luz das velas, que tenta iluminar os gestos das gentes que essas casas guardam. Com sorte, e com algum dinheiro a mais, algumas famílias compram gasolina para o gerador. Para quem o tem, luxo é sinónimo de ver televisão. E aqui, a hora da telenovela é sagrada.

Quando os barcos passam perto e acelerados, os pés sentem uma vibração vinda do chão: é flutuante. Essas pequenas casas frágeis, que têm o rio como vizinho e estrada, embalam-se com a corrente.

É nessas casas de rio, flutuantes, que moram centenas de ribeirinhos da Amazónia. Eles mudam de lugar conforme o nível do rio sobe ou desce. Sobem os metros que forem necessários para ancorar até quando o rio deixar. E nunca sabem quando será.

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Amazonas Rio-Mar

Postado por Vanessa Rodriguesem 29 de Novembro de 2009

amazonasrioPublicado no Diário de Notícias, 29 Nov’ 2009

Por Vanessa Rodrigues, Manaus

De Belém a Manaus são seis dias pelo Amazonas. Viagem a bordo de um navio que carrega viajantes à procura da Amazónia e gente a recomeçar uma nova vida

O navio mercante Santarém recolhe a âncora em Belém com três horas de atraso. Já há música alta na popa e cervejas na mão dos viajantes. Alguns lançam latas ao rio. O comandante Douglas (um norte-americano da Georgia que se apaixonou por uma brasileira, casou, separou-se e não saiu mais do Brasil para ficar perto da filha) avisa num português delicado, que agora é de vez. A viagem até Manaus já começou, pede desculpa pelo atraso e diz que é “normal”.

O que ele quer dizer, na verdade, é que os próximos seis dias terão 1300 km, com o rio Amazonas a servir de estrada, e pouco mais de duzentos passos, por dia, em corpo confinado: camarote-proa-estibordo-bombordo-popa. Haveria, porém, outras coisas nesta travessia Belém-Manaus – a mais famosa e movimentada da Amazónia – que ele não sabia que queria dizer. Coisas que estavam já nas entrelinhas e que, também, são quotidiano “normal”: um motor avariado que nos roubou um dia de viagem, centenas de bichos nocturnos que invadiriam o barco, sujidade, a pobreza da gente que o barco carrega, a comida tipo ração e aquele cheiro pestilento vindo das casas de banho.

Em frente, estão amarradas as dezenas de redes. É lá que dormem os que não têm dinheiro para pagar o bilhete de barco (é também lá que comem, defecam e se roçam em promiscuidade com a rede do lado) ou alguns estrangeiros iludidos com a ideia de viajar pelo Amazonas de rede (que balança violentamente sempre que o rio se enfurece).

Ao fim de seis dias o odor torna-se escatológico, insuportável. E o romantismo da viagem torna-se uma tortura. (A solução para enganá-lo ainda é o camarote). A mulher da limpeza atira com um líquido desinfectante lá para dentro. Não tem coragem de entrar para limpar. Não há controlo, nem denúncias da falta de higiene, apesar do cartaz na parede: “Disque denúncia”. Tudo é “normal”.

Lá fora, onde o cheiro é quente e doce, o Amazonas é uma valsa lenta. Nas margens, há crianças a brincar e gente que se lava. E há pequenas casas ribeirinhas de madeira que parecem de bonecas, assentes em estacas e que se chamam palafitas. Serão centenas, isoladas, até Manaus. Quem conhece os segredos deste rio conta que tem personalidade forte. É temperamental: desnuda margens e cobre de águas barrentas plantações inteiras. Depois, é um Rio-Mar vaidoso. Muda a paisagem por onde passa, quando quer, num vaivém de cheia e seca. No início deste ano fez um pacto com as chuvas e fustigou por mais de dois meses as margens, deixando várias famílias na miséria. Já se redimiu dando peixe abundante. Tem, ainda, a mania das grandezas. De uma margem à outra, pode chegar aos 50 quilómetros, por isso é o maior e o mais extenso do mundo. E quando menos se espera, ele sai dessa condição de prepotente e cai num confortante silêncio.

Como o daquela noite, apesar do ambiente pesado. Havia qualquer coisa estranha nos homens que olham de esguelha para o bolso dos outros à espera que se distraiam para surripiarem. Homens que viajam com pouco no bolso para começar uma nova vida. Como o Sandro, que está zonzo, bêbado. Diz que em Boa Vista, Roraima, é que há dinheiro. É lá que se vai fazer gente, para “quem sabe” realizar o sonho de ser polícia. Depois chora, bebe mais um gole de cerveja e conta que já foi travesti em Brasília, onde nasceu. Confessa que há “um homem” no barco “a recrutar para o garimpo de ouro”, ilegal. Ele não vai. Tem o corpo “seco”, fraco e “agora é de vez”, aquela viagem é o “recomeço”. “Acredita em mim?”

Vender de canoa

Postado por Vanessa Rodriguesem 29 de Novembro de 2009

Publicado no Diário de Notícias, 29 Nov’ 2009

canoa01Negócios que vêm de canoa pelo Amazonas

Por V.R., Manaus

Ela está na margem à espera que o barco passe. Apressa-se para o alcançar. E quando se aproxima, essa mulher de cabelos esguedelhados e corpo robusto agarra num gancho de ferro do tamanho da mão dela, encaixa-o no pneu que serve de bóia e, num ápice, atraca a canoa ao navio.

A criança que há pouco remava com ela, freneticamente, na pequena canoa, para alcançar a embarcação, entra no Navio Mercante Santarém que faz o trajecto Belém-Manaus, no norte do Brasil, e mostra uma caixa de esferovite.

Começa o pregão ensaiado. Tem camarão e uma polpa cor de beringela feita do fruto açaí para vender. Outras canoas começam a atracar da mesma forma. E uma mulher dá o alarme no barco. “Cuidado com essa gente que entra. Alguns são ladrões e eu já fui assaltada por eles numa travessia”.

A empresa do navio deixa que entrem. Muitos passageiros reclamam e sentem-se inseguros com estranhos a circular no barco. Feito o negócio, saem. As canoas que atracam oferecem o mesmo cardápio, outras com extras de banana frita ou castanha de caju. Há pequenas embarcações que nada vendem e ficam só perto do “Santarém” à espera que alguém atire comida, dinheiro ou roupa.

sinais na imprensa

Postado por Vanessa Rodriguesem 26 de Novembro de 2009

SinaisDaGente citado na imprensa e no mundo virtual…

Viagem Brasil Tur

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