Tecnobrega|Pará

Postado por Vanessa Rodrigues em 4 de Abril de 2010

“Aí amigo, esse é o melhor som do Pará”

Ponha o volume no máximo, isto é pirataria “legal”. Isto é o grande sucesso no estado brasileiro do Pará. Isto é tecnobrega: música pimba, sintetizada, com sons da pop internacional

por Vanessa Rodrigues, Publicado em 23 de Março de 2010

Direitos Reservados

Direitos Reservados

Jornal I

O carro entra na pequena praça, veloz. O motor ronca, arrasta-se estrondoso, como se esperasse a ordem para a partida num rali. Zás: o condutor trava a fundo até os travões chiarem, pára no meio da praça, sai do carro, abre a mala e, com o comando na mão, liga a aparelhagem. Volume no máximo: as colunas de som palpitam sons sintetizados. “Super Pop, Super Pop, Jogue a mão para cima, bate palma e faz o esse/ DJ Ery: eu tô fora, DJ Juninho: olhar de bobo, SUPER POP.” Mal se ouve a Soani resmungar. “Estava tudo tão sossegado e já vai começar esta gritaria.”

Do burburinho de gente ao pico dos decibéis das colunas da mala do carro, a gritaria a que ela se refere, intolerante, é o som do sucesso desde 2003 no Pará, Brasil. Chama-se tecnobrega: mistura sons do brega dos anos 80 (o pimba brasileiro) com melodias da pop internacional sintetizadas (Britney Spears, Beyoncé), latino-americanos (Shakira) ou ainda do forró nordestino. As letras são depois reinventadas, originais. Há, por exemplo, uma versão do “Beat It” do Michael Jackson: “Firme/Firme/Firme/Nessa noite eu vou estar firme”. Ou se gosta muito, ou se odeia.

Era domingo à noite, daquela vez, com Outubro já no fim: a pequena praça de Curuçá, no Interior Norte paraense, no Brasil, tinha uma roda gigante, carregando crianças eufóricas de cada vez que descia, néons de feira popular, caipirinhas, cerveja e guaraná fresco. A Soani Melo, esta paraense de traços indígenas, estava muito irritada. “Essa galera do tecnobrega é incrível. Param o carro em todo o lado. Põem o volume no máximo e obrigam-nos a ter de ouvir essa música horrorosa, que começa sempre da mesma maneira.” Primeiro uma batida electrónica repetida tipo sample de acompanhamento de órgão, depois sintetizadores e uma voz melada. Naquela noite, outro carro com o volume ainda mais alto e uma voz metálica, gravada, disputava a praça: “E aí amigo, tá indo embora; derrotado? Este é o melhor som do Pará. Ahahahahaha!”

Este final de semana “DJ Roberto vai arrasar”

O “verdadeiro som” é ao fim–de-semana. Há cartazes espalhados e carros com megafone a circular nas vilas. É no mercado de espectáculos que os DJ de tecnobrega ganham dinheiro. É “pirataria institucionalizada”, aprova o DJ marajoara Roberto Penante, que trabalha numa loja de electrodomésticos durante a semana, no centro de Soure, na ilha do Marajó (no estado do Pará) e, ao fim-de-semana, “arrasa a casa de shows de Salvaterra” – outra cidade principal da ilha. “O negócio é o seguinte: a galera põe várias músicas num site público, você baixa as músicas, pega em seu programa e remistura os sons.”

Os CD vendem-se nas ruas, pirateados, a pouco mais de dois euros; ou gravam–se entre amigos. Ninguém pensa em direitos de autor. “O negócio é livre.” São milhares de músicas por mês. O computador do Roberto tem centenas de pastas com novidades.

Segundo um estudo dos antropólogos Ronaldo Lemos e Oona Castro (“O Pará reinventando o negócio da música”) o tecnobrega, “mais do que um estilo musical é um mercado que criou novas formas de produção e distribuição”, com o uso de novas tecnologias, em que “o consentimento à reprodução a impede de ser considerada uma actividade estritamente ilegal”. Traduzindo: é um modelo de negócio “aberto, viável e sustentável” que “resiste à indústria fonográfica tradicional”: os artistas renunciam aos direitos em troca de divulgação. “Mesmo os sectores conservadores e os media tiveram de se curvar perante o sucesso fenomenal do tecnobrega.”

Livre de produtoras

O segredo do negócio do tecnobrega parece, então, estar ao alcance de qualquer um que tenha um programa de DJ. Depois é entrar no circuito comercial. Festas de aparelhagem na rua (o fenómeno vem até nos guias turísticos), armazéns de tecto de zinco, feiras populares, bares, salões de dança de terra batida. Apesar de o tecnobrega ser exclusivo do Pará, agarrando ainda um pouco as margens do estado do Amapá – com influências mais caribenhas -, é conhecido em todo o Brasil, sobretudo depois de a Banda Calypso, que inaugurou o modelo de negócio do tecnobrega livre de produtoras, ter aparecido no famoso “Domingão do Faustão” da Globo.

Particularidades: há aparelhagens instaladas nas malas de carros mais caras do que as viaturas; mais potentes e sofisticadas do que as casas pobres de madeira do Interior paraense (importante: volume máximo).

Sintonizar Tecnobrega em todo o Pará

Facto: o tecnobrega disseminou-se nos lugares mais remotos do estado: aquele rádio na mercearia mais distante nas margens do Amazonas; aquela aparelhagem numa casa flutuante no rio Negro. Depois, sentido Marabá-Ourilândia do Norte, Sudeste do Pará, de carrinha pública. Considerada terra “sem lei”, sob a constante forca dos conflitos de terra e impunidade. Nos bancos de trás, os passageiros (garimpeiros, sem–terra, gente à procura de outra vida) vão menos tristes ao som da rádio. As colunas de som estremecem. Alguns abanam o corpo. O motorista é fã de tecnobrega. A Banda Djavu, outra das mais famosos do Tecnobrega, fez um cover” da música “Colgado em tus manos” do venezuelano Carlos Baute, dueto com a espanhola Marta Sanchéz. “Te envio uma foto jantando em Veneza/E quando estivemos por Fortaleza/Sei que me recordo e tenho presente: meu coração está colado em tuas mãos/Cuidado, Cuidado”. É o sucesso. Alguém pede para aumentar o volume. Não dá mais. Já a seguir: “Anjos do Melody”, DJ Marlon Brando, Melody da canelada. Programa especial do tecnobrega do Pará.

Mais a norte: Outubro de 2009. Fim do dia. Um barco de linha Belém-Manaus recolhe âncora para seis dias de viagem, subindo o Amazonas. Por uma semana, a vida dos passageiros seria comer, dormir, dançar no bar da popa no navio, com cerveja na mão, e tecnobrega no corpo. Já noite, a melodia pareceria familiar. “Rise Up” do suíço Yves LaRock? “No Comando DJ 007: Gatinha, cê gosta mais de Red Label, ou Ice? [bis] Para mim tanto faz, ou Red Label ou Ice (bis) Ice, Ice, Ice, Ice, Ice, Ice, Ice…” Seria assim por sete dias. É assim todos os dias, com as novidades do tecnobrega (mais uma vez, não esquecer: volume no máximo).

MAIS: Galeria de FOTOS no Jornal I

Related Posts with Thumbnails

Comente