Amazónia polui

Postado por Vanessa Rodrigues em 25 de Janeiro de 2010

Publicado no DN, 24 de Jan’ 2010

fabrasilAmazónia, o ‘pulmão do mundo’, é também o paraíso que mais polui

Por Vanessa Rodrigues, em Manaus

Se não se ouvisse este barulho, ensurdecedor e contínuo, de um motor que parece querer roncar, mas não chega a fazê-lo, a comunidade Novo Céu, a cinco horas de Manaus, estaria no breu, quando a noite cai. São dois geradores a funcionar o dia todo, a desafiar a lei do ruído, que saem da termoeléctrica para garantir que haverá televisão, frigorífico e luz em todas as casas, por ali, durante todo o dia.

Para as centenas de famílias que ali vivem, a luz trouxe “o progresso”, a cerveja “gelada”, os congelados e, sobretudo, a telenovela. Há, ainda, centenas de outras comunidades, algumas a dias de viagem das cidades mais próximas, ao longo da Amazónia, que, ou racionam a energia dos geradores ou nem sequer sabem o que é ter luz.

Só que a conta ambiental que se paga pela electricidade na região, vinda das termoeléctricas, é demasiado alta para a Amazónia, para o Brasil, e beneficia um propalado aquecimento global: os geradores das termoeléctricas usam gasóleo. Aquele fumo espesso, escuro; aquele cheiro azedo a queimado: mais de seis milhões de toneladas de dióxido de carbono são despejados pelas cerca de 300 centrais termoeléctricas que dão luz a sete estados da Amazónia. São estes números, menos conhecidos, além do desmatamento, que engrossam a conta do Brasil como o quinto maior poluidor do mundo.

A floresta amazónica é considerada um dos “pulmões do mundo”, um laboratório de biodiversidade; com características geográficas peculiares, um paraíso ambiental. Só que é, também, uma das regiões mais poluentes, que não produz gasóleo para alimentar as termoeléctricas de que dependem milhares de famílias. Imagine-se um labirinto de rios e afluentes e tem-se uma ideia do que é a Amazónia. Então, como consegue chegar esse derivado de petróleo?

O rio Amazonas é rio-mar, extenso, profundo, por isso, mensalmente, conseguem atracar, em Manaus, pelo menos cinco petroleiros carregados de 180 milhões de litros de gasóleo para as abastecer. De onde vêm? Percorrem mais de seis mil quilómetros, em 15 dias (na melhor das hipóteses porque a oscilação de cheias e secas dos rios pode tornar a viagem num périplo desgastante) do Sudeste brasileiro até Manaus, numa operação que custa cerca de quatro milhões de euros, por mês. Às vezes, também, é importado da Venezuela, Coreia do Sul, Índia e EUA.

De Manaus, o petróleo segue para outras regiões em camiões e barcos. Há trajectos pesados e morosos, como o que vai até Cruzeiro do Sul, no Acre, em 25 dias, e que tem mais quatro mil quilómetros de viagem de barco pelos rios sinuosos da região. As condições chegam a ser adversas e contraproducentes: dependendo do destino do petróleo pode chegar a gastar-se dois litros de combustível para transportar cada litro que vai alimentar a termoeléctrica. A viagem é longa, cara, criou já uma dependência e a maioria dos moradores da Amazónia precisa racionar a energia, por si também, onerosa, para ter luz o mês todo.

Só que se não for o barulho ensurdecedor do gerador, com esse cheiro a gasóleo queimado, não haverá luz na Amazónia. Dizem os especialistas que é “difícil” mudar o cenário. A densa floresta galgada por rios muito largos torna “impossível” instalar linhas de distribuição; há pouco vento para eólicas e os projectos de energia solar, a energia limpa mais viável para a região, não saem do papel.

Amazónia, o ‘pulmão do mundo’, é também o paraíso que mais polui

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