[Entrevistas sobre a Amazónia Brasileira]
O manauara Marco Lima é pesquisador em Ictiologia Amazónica, guia naturalista e filho da Amazónia. Anda preocupado com o impacto que a construção da nova ponte, que ligará Manaus a Iranduba, sobre o Rio Negro, terá no ciclo dos peixes amazónicos . Fala em falta de preservação, falta de políticas e falta de consenso sobre como deve ser gerida a biodiversidade num lugar onde, afinal, parece, não falta nada.
Por Vanessa Rodrigues
– O que tem a Amazónia de tão especial?
É a grande caixa de pandora que a Criação nos guardou para descobrirmos agora no séc. XXI, que é a maior zona de Biodiversidade desconhecida do planeta. Não é apenas uma imensa floresta, mas uma floresta cheia de belas surpresas, para usufruto do ser humano, e que deve ser preservado para as próximas gerações.
– De sua experiência, o que precisa ser feito para preservá-la?
Reconhecer o direito das pessoas que já habitam a região e, a partir de agora, criar políticas para preservá-la, beneficiando essas pessoas: quer seja Índio, caboclo ou o imigrante que hoje planta a soja, pois eles já moram na Amazónia e conhecem-na como ninguém. E, depois, que o Governo Brasileiro crie condições e lhes dê oportunidade para o acesso à educação, com seus direitos e deveres, como populações tradicionais.
– Qual a experiência que mais o marcou na região?
Quando jovem fui visitar uma Aldeia Yanomami, em Roraima. Esses índios tinham muito pouco contato com os Brancos. Isso foi em meados dos anos 80. Recordo um episódio em que, após ter comido, dei o meu prato de comida a um chefe yanomami. Chamou-o à atenção uma simples colher de alumínio – como se fosse um produto de alta tecnologia; como nós nos impressionamos ao ver um telemóvel ou um computador de última geração. Isso marcou-me muito. Esses índios foram quase que massacrados pelas invasões garimpeiras, nessa época.
– Qual a importância de suas pesquisas para a Amazônia?
Eu faço avaliações do impacto das queimadas, seja elas feitas por brancos ou por índios na vida da IctioFauna (Peixes) e seus impactos na reprodução dos peixes. Temos descoberto coisas bem negativas e de como isso está a ter um forte impacto na vida dos peixes.
– Por que é que a ponte que estão construindo em Manaus vai ter tanto impacto na vida dos peixes?
Como o ar, vento e chuva muda a rotina diária dos seres humanos, isso também ocorre com os peixes quando há mudança de correnteza. Os nossos grandes bagres migradores, que atingem mais de 3 metros, pesando acima de 250 quilos, poderão ter, com essa ponte, o seu ecossistema alterado, na subida do Rio Negro, pois eles na sua longa viagem anual pelos principais rios da Amazónia nunca haviam encontrado essa mudança. Por mais absurda que possa parecer, a nossa natureza é muito desconhecida e os seus “hábitos” são extremamente delicados. Não aguentam certas mudanças, como se já não bastassem as Hidroeletricas do Madeira e essa nova corrida logística expansionista, pois onde elas chegam vem, também, o efeito cupim, fr destruição lenta, porém de grande impacto.
– O que você está fazendo pela Amazónia?
Tenho feito trabalhos para varias organizações entre elas para a União Europeia, no Fundo Amazônia, fazendo levantamentos sobre devastação em áreas alagadas, pois na Amazônia chega a alagar anualmente uma área com o tamanho de Espanha nos período de Dez a Junho. Faço parte, ainda, da “Fundação Floresta Viva”, levando consciência e educação ambiental Às populações ribeirinhas; e auxilio a BBC e a National Geograpic em seus programas em áreas isoladas da Amazónia.
– Histórias de sua passagem na região?
O que sempre me chamou a atenção foi o respeito que, no fundo, as pessoas têm pela selva; quer seja um madeireiro que todos os dias corta as árvores, ou um pescador que mata um gigante Pirarucu, na época em que ele está protegido. Podem, no entanto, escrever muita coisa sobre a Amazónia vivendo nela, dormindo e acordando aqui, respirando esse ar, mas faltará sempre papel para escrever o que vivemos e sentimos na Amazónia.
– Quais são os maiores problemas da Amazónia?
A falta de compromisso que todos têm para com ela, sobretudo quem dela e nela vive; a falta de políticas de todos os governos. Os únicos, realmente empenhados em preservá-la são os Militares – que cometeram muitos erros no passado, mas hoje têm uma forte missão em preservá-la num Brasil sem tecnologia. Eles construíram a Transamazonica que fez 40 anos em 2009. A Amazónia precisa de um Ministério de investimentos, de atenção específica, pois todo o mal está à porta: o narcotráfico, a mineração ilegal, a Biopirataria. Precisamos de Governo na região, pois com ele se aplica a lei, e os direitos são garantidos. A Amazónia é um património do mundo que o Brasil foi sorteado para zelar.