Fotossíntese 2.

Postado por Vanessa Rodriguesem 1 de Março de 2010

[Entrevistas sobre a Amazónia Brasileira]

Quantos crimes ambientais cabem no Amazonas, para apenas cem homens?
O Major Miguel Mouzinho Marinho nasceu em Óbidos no Pará. É responsável pelo Comando de Policiamento Ambiental da Polícia Militar Ambiental do Amazonas: uma região onde Portugal caberia, pelo menos, dez vezes. Tráfico de droga, pesca ilegal, tráfico de peixes ornamentais, desmatamento, tráfico de pedras preciosas, extracção ilegal de areia nas calhas do Rio Negro. Quantos crimes ambientais cabem no Amazonas, para apenas cem homens?

Por Vanessa Rodrigues


O que é Amazónia?

É esse mundo fantástico que nos envolve com a sua biodiversidade, com o seu paisagismo, como diz o nosso geógrafo [Aziz Nacib] Ab’Saber, com suas características predominantes do bioma amazónico e com a cultura singular e diferenciada que caracteriza o caboclo, que é o fruto de uma miscigenação de diversas raças, e de outros processos de ocupação do espaço territorial brasileiro. Para cá vieram os nordestinos, fugidos da grande seca de 1970, iniciaram o processo de ocupação da seringa; vieram os nossos antepassados: os portugueses, que ocuparam as calhas dos rios; veio uma pequena parcela de negros- já que a ocupação negra foi pequena por aqui; e vieram outros segmentos de cultura árabe, que se localizaram nas calhas dos rios Purus e Solimões, na época da borracha. É isso que caracteriza essa fantástica região com essa infinidade de comportamentos que caracterizam o homem amazónico.

Quais são os problemas da Amazónia?

O estado do Amazonas é muito grande. Aqui nós temos problemas diferenciados, dependendo das épocas de Verão ou Inverno. De Maio até Dezembro estruturamos-nos com os outros órgãos [como o Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais] e fazemos operações, no sul do amazonas, voltadas para o desmatamento, porque, nesta época, há uma pressão muito grande na fronteira agrícola nacional. Aqui na Amazónia é onde existem as últimas terras virgens [do Brasil] com 98% de cobertura original.

Depois, na fronteira da Colômbia com o Peru temos problemas de tráfico de peixes ornamentais, e uma quantidade pequena de contrabando de pescado,  principalmente de bagres amazónicos: piramutaba, piracatinga, sete barbas, dourado, filhote. Os pescadores da Colômbia chegam às populações mais carentes, onde o estado e poder público são, na sua grande maioria, ausentes e estimulam que eles pesquem para eles essas espécies- Em troca recebem géneros alimentícios (açúcar, arroz, feijão). Eles pegam nesse pescado e exportam, via Letícia: segue para para Bogotá e de lá para EUA e Europa.

Também temos contrabando de pedras preciosas nessa calha do Rio Negro (e ainda o problema dos peixes ornamentais nos munícipios de Barcelos, São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel de Rio Negro, Novo Airão).

Que pedras preciosas são essas?

Desde pedras radioactivas que são retiradas na região do município de São Gabriel da Cachoeira, até ouro. Aqui próximo mais ao sul do rio Negro até Manaus, temos o problema de extracção de areia e seixos, retirados por dragas, das calhas do rio. Parte é autorizada pelo Ipam [Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia]– Órgão estadual do meio ambiente, desde que obedecendo aos requisitos legais: têm de ser feitos estudos de viabilidade, licenças prévias, licenças de instalação, etc.

– Que outros problemas existem?

Já no Baixo Amazonas, na fronteira com o Pará, temos a Pesca Predatória, porque os barcos pesqueiros adentram na calha do Rio Amazonas e fazem uma exploração desordenada. Outra questão, é da supressão da floresta, nas áreas de Maués, Parintis e Juriti: há um desmatamento muito grande nessas áreas. Há muita retirada de madeira, na região do Rio Maués e atingindo até a Floresta Nacional do Pau Rosa.

Hoje, na região de Presidente Figueiredo a 100 km de Manaus, temos o problema de desmatamento, também. Participei, recentemente, numa operação na região e devido à nova definição da Terra Indígena Raposa Serra do Sol foram retirados os ocupantes não ndios – que se movimentaram para a fronteira do Amazonas com o Roraima. Há, por ali, um desmatamento muito grande. O município de Presidente Figueiredo no ano passado, depois do sul do amazonas, foi o que teve o maior índice de foco de incêndios. Estamos naquela fase de encontrar através do órgão territorial, junto com o IPAM quem pediu autorização daquela área, para podermos tomar medidas criminais.

Depois, na região do médio Solimões, como Tefé, a questão da pesca predatória é muito forte, para abastecer a exportação e Manaus.

Como é que a Polícia Militar Ambiental dá conta de uma região tão vasta como o Amazonas?

Na verdade, tendo em conta a dimensão do Amazonas, é muito difícil que o meu efectivo, com menos de 100 homens dê conta de todas as acções. Procuramos juntar as forças com outros organismos [como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, que gere as unidades de conservação.] Ainda assim, fazemos o monitoramento 24 horas no Parque Nacional do Jaú, na Reserva.

Que tipos de actividades tem a Polícia Militar Ambiental aqui na região?

No mês de Outubro, por exemplo, houve uma grande apreensão de peixes ornamentais – cerca de 200 mil unidades de diferentes espécies.

Apreensão de entorpecentes na calha do Rio Negro.

E prendemos um traficante que era guerrilheiro das FARC.

Junto com o Ibama apreendemos, no sul de amazonas, no município de Apuí, mais de 15 mil metros cúbicos de madeira e no Santo António de Matupi, no km 180 da Rodovia Transamazónica (a BR 230).

Na capital temos, ainda, muitas denúncias de tráfico de quelónios e pesca de Pirarucu – protegido o ano todo e só pode ser comercializado em plano de manejo, que só existe em Fonte Boa e em Tefé.

Depois, temos as actividades de educação ambiental.

Que actividades são essas?

Nesse ano, dentro do programa de educação ambiental conseguimos trabalhar com 600 crianças, tentando ampliar a consciência pelo meio ambiente. A prevenção, o educar é muito importante no geral, mas sobretudo nesta região, que depende da forma como tratamos o meio ambiente: é informar e esclarecer. Até porque muitos dos infractores não têm informação: as pessoas são reincidentes nos crimes. Não entendem que é errado. Numa população carente de tudo, a educação ambiental é uma acção preventiva muito importante. O polícia tem que ser parceiro.

Que outras acções poderiam evitar esses crimes ambientais?

Esbarramos no sistema de educacional brasileiro que é transversal. Não existe uma matéria específica de meio ambiente. Cada professor, dentro da sua disciplina deveria mostrar o que é o meio ambiente: sua importância e acções de preservação. Só que nem todos são sensíveis ao tema. Se a educação do meio ambiente não começa em casa, não surtirá efeitos. A questão do meio ambiente está ligada directamente à qualidade de vida. O sistema educacional deveria ter mais acção.

Fala-se da necessidade de criar uma espécie de identificação para os moradores do Parque Nacional do Jaú. Porquê?

Isso facilitaria a fiscalização da área, evitando crimes ambientais e ilegalidades, porque, na verdade, o morador não comete o crime. Quem os comete é de fora e alicia os moradores. As actividades que o morador desenvolve nas comunidades são, no geral, de baixo impacto: as famílias são pequenas, não têm porque desmatar grandes espaços, o que eles fazem é apenas para subsistência, por isso, o impacto do desmatamento é muito pequeno, ao contrário do latifundiário e do fazendeiro.

A partir do momento em que há um cadastro, isso facilita a identificação, até porque o vai chegar  um estágio em que os polícias já vão conhecer todos os comunitários, e ao abordar uma embarcação já vai identificar quem mora ali ou não. Os ribeirinhos vão sentir-se mais valorizados. Quando foi criado o parque não foi feito um estudo e esqueceram que havia pessoas a morar na área – que é hoje o maior parque do país.

Estão a fazer-se muitos estudos por causa da polémica estrada que vai ligar Manaus a Porto Velho, na Rondônia, e que vai “rasgar” parte da floresta amazónica.

A questão do asfaltamento da BR-319 que vai ligar a cidade de Manaus com a cidade de Porto Velho está chamando a atenção dos órgãos ambientais, porque ela vai cortar o coração da floresta Amazónica. Em cima disso, há a pressão que vem da fronteira agrícola do norte do estado do mato grosso, por Rondônia, que poderá ser facilitada. Existem até, estudos criando viabilidade que se fosse criada uma ferrovia o impacto seria menor.

O desenvolvimento tem de chegar para a região mas, ao mesmo tempo, a preservação do meio ambiente tem de ter o seu papel. Até que ponto o estado brasileiro vai conseguir manter essa protecção, tendo em vista que ocorrem interesses diversos, como económicos, que às vezes prevalecem sobre os interesses de protecção e sobre os recursos naturais? Estamos participando desses estudos, sobre o que será realmente feito. Se houver asfaltamento, vamos ter de protegê-la. Há já uma proposta de criação de mosaico de unidades de conservação nas laterais da rodovia de forma a proteger essas áreas. Vamos procurar preservar um pouco esse espaço. Mas é difícil conseguir inibir o desenvolvimento.

Como Manaus.

Podemos observar os impactos que Manaus teve, sobretudo, a partir da década de 80. Hoje tem mais de um milhão de habitantes. A região da zona franca exerce um papel importante em preservar outros espaços, mas até que ponto vamos conseguir preservar, quando o coração da floresta vai ser cortado por uma rodovia.? Então temos de estudar bastante, discutir e exercer a nossa cidadania sobre o que será melhor.

E o que é melhor para a região?

O nosso solo da Amazónia ele é diferente de outras regiões. É um solo mais recente e muito frágil. A [camada de] liteira é muito pequena. A floresta está no seu clímax; ela não se desenvolve mais: uma supressão é muito difícil, pois a sua recomposição nunca será possível em menos de 100 anos. Tudo isso deve ser levado em conta. A Amazónia não tem vocação para a pecuária, para a cultura de grãos. O que se deve destacar é o turismo, o ecoturismo e o extrativismo. Por isso, a partir da criação de unidades de conservação pode-se garantir esse bioma amazónico. É um caminho.

Fotossíntese.1

Postado por Vanessa Rodriguesem 26 de Janeiro de 2010

[Entrevistas sobre a Amazónia Brasileira]

O manauara Marco Lima é pesquisador em Ictiologia Amazónica, guia naturalista e filho da Amazónia. Anda preocupado com o impacto que a construção da nova ponte, que ligará Manaus a Iranduba, sobre o Rio Negro, terá no ciclo dos peixes amazónicos . Fala em falta de preservação, falta de políticas e falta de consenso sobre como deve ser gerida a biodiversidade num lugar onde, afinal, parece, não falta nada.

Por Vanessa Rodrigues

MarcoLima
– O que tem a Amazónia de tão especial?

É a grande caixa de pandora que a Criação nos guardou para descobrirmos agora no séc. XXI, que é a maior zona de Biodiversidade desconhecida do planeta. Não é apenas uma imensa floresta, mas uma floresta cheia de belas surpresas, para usufruto do ser humano, e que deve ser preservado para as próximas gerações.

– De sua experiência, o que precisa ser feito para preservá-la?

Reconhecer o direito das pessoas que já habitam a região e, a partir de agora, criar políticas para preservá-la, beneficiando essas pessoas: quer seja Índio, caboclo ou o imigrante que hoje planta a soja, pois eles já moram na Amazónia e conhecem-na como ninguém. E, depois, que o Governo Brasileiro crie condições e lhes dê oportunidade para o acesso à educação, com seus direitos e deveres, como populações tradicionais.

Qual a experiência que mais o marcou na região?

Quando jovem fui visitar uma Aldeia Yanomami, em Roraima. Esses índios tinham muito pouco contato com os Brancos. Isso foi em meados dos anos 80. Recordo um episódio em que, após ter comido, dei o meu prato de comida a um chefe yanomami. Chamou-o à atenção uma simples colher de alumínio – como se fosse um produto de alta tecnologia; como nós nos impressionamos ao ver um telemóvel ou um computador de última geração. Isso marcou-me muito. Esses índios foram quase que massacrados pelas invasões garimpeiras, nessa época.

– Qual a importância de suas pesquisas para a Amazônia?

Eu faço avaliações do impacto das queimadas, seja elas feitas por brancos ou por índios na vida da IctioFauna (Peixes) e seus impactos na reprodução dos peixes. Temos descoberto coisas bem negativas e de como isso está a ter um forte impacto na vida dos peixes.

– Por que é que a ponte que estão construindo em Manaus vai ter tanto impacto na vida dos peixes?

Como o ar, vento e chuva muda a rotina diária dos seres humanos, isso também ocorre com os peixes quando há mudança de correnteza. Os nossos grandes bagres migradores, que atingem mais de 3 metros, pesando acima de 250 quilos, poderão ter, com essa ponte, o seu ecossistema alterado, na subida do Rio Negro, pois eles na sua longa viagem anual pelos principais rios da Amazónia nunca haviam encontrado essa mudança.  Por mais absurda que possa parecer, a nossa natureza é muito desconhecida e os seus “hábitos” são extremamente delicados. Não aguentam certas mudanças, como se já não bastassem as Hidroeletricas do Madeira e essa nova corrida logística expansionista, pois onde elas chegam vem, também, o efeito cupim, fr destruição lenta, porém de grande impacto.

– O que você está fazendo pela Amazónia?

Tenho feito trabalhos para varias organizações entre elas para a União Europeia, no Fundo Amazônia, fazendo levantamentos sobre devastação em áreas alagadas, pois na Amazônia chega a alagar anualmente uma área com o tamanho de Espanha nos período de Dez a Junho. Faço parte, ainda, da “Fundação Floresta Viva”, levando consciência e educação ambiental Às populações ribeirinhas; e auxilio a BBC e a National Geograpic em seus programas em áreas isoladas da Amazónia.

– Histórias de sua passagem na região?

O que sempre me chamou a atenção foi o respeito que, no fundo, as pessoas têm pela selva; quer seja um madeireiro que todos os dias corta as árvores, ou um pescador que mata um gigante Pirarucu, na época em que ele está protegido. Podem, no entanto, escrever muita coisa sobre a Amazónia vivendo nela, dormindo e acordando aqui, respirando esse ar, mas faltará sempre papel para escrever o que vivemos e sentimos na Amazónia.

– Quais são os maiores problemas da Amazónia?

A falta de compromisso que todos têm para com ela, sobretudo quem dela e nela vive; a falta de políticas de todos os governos. Os únicos, realmente empenhados em preservá-la são os Militares  – que  cometeram muitos erros  no passado, mas hoje têm uma forte missão em preservá-la num Brasil sem tecnologia. Eles construíram a Transamazonica que fez 40 anos em 2009. A Amazónia precisa de um Ministério de investimentos, de atenção específica, pois todo o mal está à porta: o narcotráfico, a mineração ilegal, a Biopirataria. Precisamos de Governo na região, pois com ele se aplica a lei, e os direitos são garantidos. A Amazónia é um património do mundo que o Brasil foi sorteado para zelar.

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