Fim da pesca artesanal?

Postado por Vanessa Rodriguesem 12 de Outubro de 2009

fortalezinha

Publicado no DN, 4 de Out’

A ponte que liga a ilha de Algodoal à colónia de pescadores em Fortalezinha já não existe. Caiu “há anos”, explica o pintor Bergo, morador da ilha. “Nunca mais foi reconstruída.” A única forma de chegar lá é “alugar barco”, ou “apanhar boleia com um pescador”.

A região ainda preserva a pesca artesanal. As águas estão decoradas com estacas finas de madeira velha, armadilhas para o peixe e caranguejos, redes de pesca extensas e barcos pequenos com homens solitários que aguardam o melhor momento para as recolher. A poucos metros deste cenário, o canal que vai de Algodoal até Fortalezinha parece, ainda, virgem. Há botos a mergulhar – mamíferos parentes dos golfinhos – garças altivas a apanhar sol nas margens, floresta densa, e peixe que saltita.

Nisael dos Santos faz, muitas vezes, essa travessia. É presidente da Associação de Empreendedores de Turismo da Ilha de Algodoal e, todos os dias, recolhe as crianças das comunidades para levá-las à escola. Conhece bem as feridas da região. “Há cada vez menos pescadores. Estamos a tentar criar projectos de renda alternativa. Se não, tudo se pode perder”, diz.

Ilha de Algodoal

Postado por Vanessa Rodriguesem 12 de Outubro de 2009

aldodoal1Publicado no DN, 4 de Out’

O algodão que lhe deu o nome já se foi, há cada vez menos tartarugas a desovar nas suas praias e o lixo ameaça a ilha a norte de Belém.

Os barcos que vêm da ilha de Algodoal estão carregados de famílias. São precários, com tinta a disfarçar as fendas que a água sal- gada provocou. Voltam do fim-de- -semana, ultrapassam a lotação e deixaram lixo para trás.

As embarcações que saem do porto de Marudá para a ilha de Algodoal, no arquipélago de Maiandeua – na língua indígena tupi significa “Mãe da Terra” – a 150 km de Belém, no Brasil, estão vazias. Quase todos voltam. Quase ninguém arrisca ir. O tempo ameaça fechar. O barco tem dificuldade em atravessar o canal. Só carrega dois passageiros. Chove. 50 minutos depois de ondulação violenta já se vêem, no horizonte, dunas que parecem montanhas. Antes, dizem os mais velhos, viam-se também fibras brancas no ar do algodão-seda que deu o nome à ilha, em plena Amazónia Atlântica. Hoje, a planta “já não existe”, diz, com voz angustiada, Alessandro Ferreira, conhecido como Bergo, pintor e dono de pousada em Algodoal.

O porto da ilha, o Mamede, é a praia. À espera de ganhar dinheiro com a gente que chega de barco estão carroças puxadas a burros, o principal meio de transporte por aqui. Até à vila de Algodoal a caminhada faz-se sob sol quente, areia mole e que torna o périplo num cansaço contínuo de 15 minutos. Estender a coragem significa ir até à praia da Princesa, a mais famosa e palco de lendas, banhada pelo Atlântico. Será mais uma meia hora de caminhada: passar pelo mangue de areias movediças com água até à cintura e ver as armadilhas que os pescadores preparam para apanhar peixe quando a maré baixar. Tudo o resto é uma imensa solidão.

José Cristo, ex-pescador, e hoje dono de um bar na Ilha, com a filha Helena, diz que a Princesa, “a dona da praia”, gosta assim. Diz que já a viu, que “é loira e glamorosa”, um “espírito que poucos têm o privilégio de ver”, e que a seguiu, “há muitos anos, até à Lagoa” com o nome dela. “Ela não gostou e, nessa altura, a minha vida ficou problemática”, conta. Hoje, “a vida já se endireitou”. Cristo foi um dos primeiros moradores da Ilha e é um dos maiores activistas na preservação. Aponta, ao longe, para uns paus de madeira, envoltos numa fita institucional de isolamento, como nos filmes policiais. “Vê aquilo ali? Tem ovos de tartarugas que outros pescadores queriam levar para comer. Eu não deixei. Temos de preservar a Ilha: é a nossa maior luta.”

É que “a ilha de Algodoal cresceu desordenadamente”, explica Bergo, activista na implementação de um Plano de Manejo Sustentável para a Área de Preservação Ambiental da Ilha. Proliferam pousadas sem licença, turismo em massa e há “o grave problema de como tratar o lixo”. Aliás, um clássico em muitas ilhas ao redor de Belém. Uma das soluções, acredita Bergo, será a “consolidação” do plano que alguns moradores estão a tentar articular com a Secretaria de Meio Ambiente. “Mas é uma luta grande, porque não há consenso para preservar Algodoal.”

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