Ourilândia do Norte

Postado por Vanessa Rodriguesem 13 de Novembro de 2009

roadmaraba01Publicado do DN, 1 Nov´2009

Em Ourilândia do Norte já houve garimpo. Hoje, há pó cor-de-cobre que enche os pulmões, calor tórrido, sem aragem, gente de alma fria a tentar sobreviver em terra árida

Não se pode estar à porta do Hotel Carajás a partir das 06.00. A garganta começa a sufocar, o ar falta até à perda dos sentidos. Não corre aragem, o sol favorece o mercúrio: o termómetro chega em poucas horas dos 30 aos 42 graus. O corpo goteja suor. Clima seco, tropical quente. Só as pickups e os camiões (em média, num minuto, passam dez) aceleram na estrada que ali passa à porta do “melhor hotel” da cidade.

Na realidade é uma pousada com meia dúzia de quartos na Ourilândia do Norte, a sudeste do Pará, no Brasil. Acelerados, os camiões deixam uma nuvem de pó seco, cor-de-cobre, que se entranha no corpo e sufoca. O lugar parece o faroeste. Não chove há semanas. A carne que seca ao sol, ao lado do hotel, deve estar impregnada desse pó: carne de tatu e de boi. As pessoas que ali passam a pé também a levam, na pele. São gente sofrida. As rugas chegam cedo, os pés calejam jovens de galgar aquela estrada árida, roubada à floresta amazónica, e que hoje liga o Norte ao Sul do Pará. Ou vice-versa: sentido subdesenvolvimento à “civilização”, diz ao DN Lisandra Serra, dona do “hotel”.

“A prefeitura [câmara municipal] recebe dinheiro das grandes empresas da região para melhorar as infra-estruturas, mas não faz obras. Não se sabe para onde vai esse dinheiro”, ironiza. A “maldição” da ironia baptizou a cidade: deve o nome ao ouro que abundava. Nasceu do suor de um grupo de garimpeiros, que foi excluído do projecto Tucumã, de uma empresa construtora, e que criaria, nos anos 70, a esperança de um trabalho. A notícia atraiu milhares de migrantes à região, sobretudo do Nordeste brasileiro e do Maranhão.

Muitos que ali ficaram contam os trocos diários, a ver se terão algum para comer, nem que seja a carne que seca ao sol, com pó. “A maioria, ficou por orgulho”, diz Lisandra. “Tiveram vergonha de voltar às origens, pior que quando partiram.” Muitos “fizeram pequenos negócios”. Outros “conseguiram emprego nas grandes empresas de mineração” que ali estão instaladas e “têm pistas de avião privadas”.

A região é um paradoxo: dois motéis luxuosos e um bar chique em frente à estrada de pó. Ao redor, miséria. E “nada” para fazer. A Internet é uma hipérbole de lentidão: com sorte, lêem-se e-mails em versão html; a comida menos duvidosa resume-se a frango com arroz e a água para tomar banho pode acabar a qualquer momento.

Serão três dias de espera nesta terra do “ouro miserável”. A Fundação Nacional do Índio (Funai) não confirma se haverá homologação da terra indígena em Moicaracó, da etnia Kayapó em São Félix do Xingu, na data marcada. Adia- -se mais um dia. “É muito difícil chegar lá: o rio está seco, não dá para ir de barco”, diz Célia Maracajá, que tem autorização para ir gravar em vídeo a cerimónia. “E a estrada é uma miséria de vegetação e terra batida. O melhor é de avião, mas só a Funai tem acesso”, completa.

O presidente Lula da Silva ainda não confirmou se vai. E uma fonte do Partido dos Trabalhadores vai dizendo que a agenda da Presidência está “atarefada” com inaugurações do Plano de Aceleração do Crescimento até ao fim do mês. Só resta esperar, sem “nada para fazer”, no hotel Carajás. Da varanda, já se vê um manto cinzento – traz vendaval e a primeira chuva tropical do mês. Arrasta árvores e levanta o pó a ameaçar um tornado. Em segundos vem o dilúvio que corre acelerado à porta do “melhor hotel da cidade”, onde nunca se pode estar.

Garimpo e ilusão

Postado por Vanessa Rodriguesem 12 de Novembro de 2009

Publicado DN, 1 Nov’ 2009

Agostinho não quer dizer o último nome, nem ser fotografado. Diz que toda a gente o conhece por “Agostinho do táxi”. E garante que foi “o primeiro” a formalizar a profissão na Ourilândia do Norte”, no Sudeste do Pará, no Brasil, após ter acabado o garimpo de ouro na região. Hoje só grandes empresas extraem níquel ali, acredita-se.

Agostinho só tem um carro para fazer o serviço. E em terra de miséria e de sete autocarros diários, quem o tem “é rei”, diz. Cobra 50 reais (18 euros) para fazer dois km.

O carro cheira a mijo, os bancos colam à roupa, as borrachas com camadas de pó. É noite, o resto não vemos. Ele diz que Ourilândia tem “muitas histórias”. A dele é “simples”: nasceu em São Luís do Maranhão, foi garimpeiro, “usava mercúrio para separar o ouro” e nunca quis voltar à terra. “Habituei-me aqui.” Não esconde que é uma “terra miserável”. Para ele, “melhor que no Maranhão, melhor que nada”. “Nada” foi o que herdou dos tempos de garimpeiro. “É uma ilusão. Mata-se por pouco. Pode encontrar-se muito ouro num dia, mas é uma pedra envenenada. Gasta-se rápido”, lembra. Houve “alguns” que até “enriqueceram”: “O dono de um grande motel aqui na Ourilândia achou 600 gramas de ouro. Gastou tudo e só não perdeu o motel porque estava em nome da mãe.” No fim da viagem, entrega um cartão de visitas: “Agostinho do táxi, pioneiro.”

Related Posts with Thumbnails