MST|pb

Postado por Vanessa Rodriguesem 26 de Abril de 2010

MST luta pela terra

Postado por Vanessa Rodriguesem 22 de Novembro de 2009

“Preferimos morrer a desistir de lutar pelo direito à terra”

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Publicado no DN a 22 de Nov’

Por Vanessa Rodrigues, Marabá

A desconfiança reina na sede do MST em  Marabá. Talvez porque muitos “companheiros” vivam sob ameaça de morte.

A polémica estrada transamazónica, que corta a cidade de Marabá, no Sudeste do Pará, no Brasil, passa em frente ao hotel Porto Bello. Ao redor, bombas de gasolina, mecânicos, terra cor de cobre, alagada e malcheirosa, como se estivesse há muito com as feridas abertas, em putrefacção. É uma região “perigosa”, “tensa”, que leva o apelido de “Marabala”, por ser “terra de pistoleiros”, ainda.

São 09.00 e Giselda, do Movimento dos Sem-Terra (MST), ainda não devolveu a chamada do dia anterior. Dois dias depois viria a autorização para conhecer o trabalho e a “luta” social do MST “pela terra”, no Acampamento João Canuto, a três horas de viagem pela precária estrada PA-150, mais a sul.

Há um clima de desconfiança na sede do MST. Palavras breves e a pergunta constante: “Está a gravar?” Giselda tem razões para desconfiar. Alguns membros do MST vivem sob ameaça de morte. Ela já viu “muitos companheiros” assassinados. “Os responsáveis continuam impunes”, diz, como quem diz que continuam à solta para continuar a matar. Depois, o MST tem “fama de corrupto”, “violento” e “perigoso”, sobretudo porque “ocupa” grandes fazendas, apropriadas “ilicitamente”.

Para Mercedes Queiroz, de 27 anos, responsável pela coordenação estadual do MST, é uma “imagem construída” pela “imprensa burguesa”. “Reivindicamos um direito garantido pela Constituição: a terra. E somos oprimidos por fazer cumprir a lei.”

A semana passada, por exemplo, integrantes do MST de Marabá foram “acusados” de terem destruído plantações na fazenda de Daniel Dantas, um famoso banqueiro brasileiro. O cenário de “opressão” a membros do MST, ressalva Mercedes, repete-se “constantemente”, por todo o Brasil. Mas nesta região o conflito pela terra é ainda “mais intenso”. Para Mercedes, as autoridades “fecham os olhos”. Mais do que “a luta pela terra”, completa, o MST reivindica uma “reforma agrária popular”.

O que isso significa? “É a transformação da sociedade a partir de uma reforma agrária.” É essa a “luta” do “Índio”, como é conhecido no Acampamento João Canuto. Magro, moreno, com rugas ao redor dos olhos, ele não muda o tom de voz, cerimonioso e seco para contar como “quase” morreu com seis balas no corpo.

Em Abril, ele e outros “companheiros” foram apanhados numa “armadilha” na Fazenda Espírito Santo, do Daniel Dantas. “Os jagunços [capangas] da fazenda”, conta, “fizeram alguns companheiros nossos reféns e disseram que queriam conversar connosco”, conta. Ele e “outros” foram “em marcha” até à Fazenda. Quando chegaram, “um canal de televisão” estava lá. “Ouvimos o gerente da Fazenda dar ordem para atirar e começaram a chover balas. Não tivemos forma de nos defender. As nossas únicas armas são a foice para trabalhar a terra”, desabafa. A maioria dos seus companheiros morreu no “massacre”.

O Índio foi “salvo” por um jornalista desse canal. “Ele disse ao pistoleiro que queria falar comigo. Deve ter tido remorsos e pediu para me socorrerem.” Ele diz que quer “conquistar” a terra “pela paz”. “Preferimos morrer a desistir de lutar por esse direito.”

mst1A longa luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

O MST é um movimento social brasileiro, com inspiração marxista, que comemorou este ano 25 anos, formado em Cascavel, no Paraná, quando alguns trabalhadores rurais se organizaram para lutar por uma Reforma Agrária. O movimento existe em 24 estados e, até agora, 350 mil famílias conquistaram a terra “por meio da luta e da organização dos trabalhadores rurais”. Como funciona a ocupação de terras? “O colectivo da Frente de Massas”, conta Mercedes, “vai percebendo quais as terras do Governo apropriadas ilicitamente ou que não estão a cumprir a sua função social”. “Depois”, continua, o MST “sensibiliza famílias sem-terra” e elas passam a organizar-se num acampamento. “Resistem na terra, enquanto correm os trâmites judiciais de ocupação da terra”. Já o “assentamento” avança quando se “legaliza a terra a favor dessas famílias organizadas”. Depois, o “grande desafio” é avançar “produtivamente”, para “cumprir” a Reforma Agrária Popular, com base em princípios de “exploração ecológica”, esclarece.

Nota: na publicação do Diário de Notícias foi alterado, por decisão do editor, o nome de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra por Movimento Sem Terra. Só quando foi publicado percebi a alteração. As duas designações são muito distintas e referem-se a movimentos sociais diferentes. No Brasil, Movimento Sem Terra refere-se aos movimentos sociais em geral de ocupação de terras, enquanto que o MST é uma organização estruturada com objectivos e linha política definida. Nesse sentido, a alteração induz em erro o leitor como se se tratasse da mesma coisa.

Tendas de Campismo/terra indígena

Postado por Vanessa Rodriguesem 15 de Novembro de 2009

Tendas de campismo são ‘terra indígena’ no Pará

Publicado no Diário de Notícias a 8 de Nov´

“Moicaracó! Moicaracó!”, chama pelo rádio o índio Ma ti Krê, cabelo negro, tatuagens nos braços, sapatilhas de marca, calças de ganga e bolsa de máquina fotográfica a tiracolo. A sala onde está sentado é insalubre, com cheiro azedo. As baratas rasam-lhe os pés, há roupa a secar nos fios eléctricos e várias tendas de campismo puídas estão armadas ao redor. Ma ti Krê insiste. Quer falar com o líder indígena da aldeia de Moicaracó, da etnia Kayapó. Ele é Xicrin, de uma aldeia perto de Marabá: são todos “parentes”. Ele tenta sintonizar o rádio: é “o único meio” que as aldeias indígenas no Brasil têm para comunicar entre si e com a Fundação Nacional do Índio (Funai) que lhes dá apoio. São 11 horas da manhã e Ma ti Krê, como muitos outros ‘parentes’ de outras etnias, espera na Casa do Índio de Ourilândia do Norte, no Sudeste do Pará, Brasil, uma resposta sobre se a aldeia Moicaracó será ou não homologada terra indígena, conforme anunciou a Funai para essa semana.

O Presidente Lula da Silva, que anda pela região num périplo de inaugurações com a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, a propósito do Programa de Aceleração de Crescimento, confirmou presença com uma comitiva de peso. Os ‘parentes’ estão entusiasmados com a cerimónia e concentraram-se em Ourilândia do Norte, que serve de ‘base’ para seguir para a aldeia indígena, a mais de 500 quilómetros dali. Até lá só há dois acessos: de avião da Funai ou de carro, com tracção a quatro rodas.

Depois de mais de dez minutos a tentar chamar Moicaracó ouve-se do outro lado da frequência um zumbido e uma voz rouca fala em Kayapó. “É Ai ki Boro”, reconhece Ma ti Krê, referindo-se ao líder indígena da aldeia e passa o transmissor. “Ai ki boro!. Daqui é a sua parente Célia Maracajá da Fundação Curro Velho de Belém. Haverá cerimónia?”, questiona. Ai ki boro garante que sim, que foi adiada “uns dias” e pede para a Célia contactar a Funai em Ourilândia do Norte para nos levar até à aldeia. Célia não está confiante. Despede-se de Ai ki Boro e, enquanto pousa o transmissor, arregala os olhos e torce os lábios como quem diz que alguma coisa está errada. Atrás dela, vários adolescentes estão com os olhos colados no ecrã de televisão. Um deles aproxima-se e pergunta-lhe quando ela dará outra aula de vídeo. Célia explica “o fascínio dos índios” pela imagem. “Eles têm um olhar incrível”, entusiasma-se. “Quando filmamos as festas de alguma aldeia indígena, eles pedem para ver a versão integral, sem edições, e são capazes de ficar horas a ver o filme, com um olhar intenso, genuíno.”

À porta da Casa do Índio, que funciona como um centro de acolhimento, estão acampadas, precariamente, dez famílias de várias etnias. Começam a chegar vários caciques – nome do líder indígena – de outras aldeias. O movimento aumenta. É hora de almoçar: chegam pacotes embalados que a Funai mandou entregar para os “parentes” que moram na Casa. Uma das mulheres indígenas leva dois: um para ela, outro para a filha. Pede dinheiro à Célia para comprar um refrigerante. Coloca o pacote embalado de comida no cimento que tapa o poço e vê-se uma mistura de farofa, massa, arroz, feijão e carne. Num primeiro olhar parecem restos de comida. Ela separa o arroz e a carne e atira o resto ao chão. Só fala Kayapó e pragueja algo que Ma ti Krê traduz. “Todos os dias comemos os mesmos restos, hoje só me apetece o arroz e carne. Amanhã é dia de feijão.”

Crianças desidratadas

Postado por Vanessa Rodriguesem 15 de Novembro de 2009

Publicado no Diário de Notícias a 8 de Nov’

Bei Mati não vai pagar a conta na única churrascaria da vila de Tucumã, no Sudeste do Pará no Brasil. Tem carta branca naquele restaurante por causa de um acordo de uma “grande empresa” da região que negociou com a aldeia indígena onde ele mora, um “plano de saúde e alimentação”. Em troca a empresa “pode explorar o minério da terra”.

Bei Mati, 24 anos, índio da etnia Xicrin, mora numa aldeia indígena perto de Marabá, mais a norte de Tucumã. Está “satisfeito” com as “regalias” da “empresa”, porque, “em geral a assistência de saúde ao índio da Fundação Nacional de Saúde [Funasa] é muito má e demorada”, desabafa. “Eu bem vejo como os parentes de outras aldeias são mal atendidos. Nós temos sorte.”

As manifestações em sedes da Funasa por grupos de etnias indígenas são frequentes. Eles reivindicam “melhor atendimento de saúde”. Bei Mati denuncia que a “Funasa tem piorado muito a assistência nos últimos meses”. Depois muda o discurso e diz que algo “muito estranho” anda a acontecer na sua aldeia. “As crianças estão cada vez mais doentes e ninguém sabe explicar o que se passa”. Ele acha que é da água.

“Antes podia beber-se sem problemas, mas nos últimos meses tem havido muitas diarreias e as crianças estão a ficar desidratadas”, continua desalentado. Depois confidencia que a “tal empresa” tem “enviado engenheiros para analisar a água do rio da terra” dele.

Subornos, desmatar

Postado por Vanessa Rodriguesem 30 de Outubro de 2009

roadmarabaPublicado no DN a 18 Out’ 2009

Quatrocentos quilómetros de Marabá a Ourilândia do Norte: as grandes empresas de mineração e celulose devastam o coração da selva amazónica. Os fogos multiplicam-se um pouco por toda a parte

A Célia está revoltada. Olha incrédula para o vale nu. Aproxima-se da janela da carrinha como se ampliasse o olhar para se certificar de que está a ver bem. Suspira “Meu Deus!” baixinho. “Há dois anos tudo isto era mata”, murmura, enquanto olha as bermas da precária estrada PA-150 que liga o Nordeste do estado do Pará até ao sul, no Brasil.

Partimos de Marabá até Ourilândia do Norte: 400 quilómetros. Até lá é preciso dormir em Xinguara e apanhar outro autocarro no dia seguinte. Célia continua a falar baixinho: “Não se sabe quem vai” na carrinha. “Esta região está toda desmatada. Só se vê bois e grandes fazendas. E as grandes empresas de mineração e celulose estão a devastar a área com o consentimento dos governos locais”, diz Célia ao DN. “Quem os denuncia corre risco de vida. É preciso falar baixinho.” Célia Maracajá trabalha na Fundação Curro Velho, em Belém, uma ONG que promove a cultura regional. Ela já galgou muito a Amazónia a fazer documentários para o projecto “TV, Navegar Amazónia”, do cineasta brasileiro Jorge Bodanzky. Já falou “alto” para denunciar, fez reportagens e campanhas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o mesmo do Presidente Lula da Silva. E já teve o nome na lista negra de alguns políticos na região. Conhece as lutas e o suor que sai do corpo de “muita gente”, para “salvar” a Amazónia. O desmatamento continua a ser uma “doença crónica”, mas a “pistolagem” também (“são homens armados que matam para calar”). “Esta é uma “Amazónia que não vem nos guias”, ironiza. Célia está a caminho de São Félix do Xingu, mais a sudoeste, por causa da homologação da terra indígena Moicaracó, de etnia kayopó. Ainda não sabe como vai chegar até lá. E o Presidente Lula da Silva ainda não confirmou. A carrinha que a leva até meio do caminho, em Xinguara, foi um “improviso”. O autocarro que iria apanhar avariou. Não havia outro para substituir. “Aqui é terra de ninguém, a lei é feita pelos homens e pela bala”, desabafa. Foi por essa “lei” que o cartão do meu chip de telemóvel brasileiro foi clonado. Comprei uma recarga de crédito que entrou noutro número. “Isso acontece”, diz o dono do bar que ma vendeu na rodoviária de Marabá.

À saída da cidade, o motorista da carrinha passa no “posto de fiscalização”. Leva quatro passageiros a mais, em pé. Ele pára, remexe no bolso da camisa e dá 60 reais (cerca de 20 euros) ao fiscal do posto que lhe deseja “boa viagem”. “Você percebeu?”, dizem, baixinho, os olhos de Célia.

Os camiões que passam vão cheios de gado. Não se pode falar sobre isso, nem sequer “baixinho”. Alguns camionistas vão acompanhados de miúdas com idade para serem filhas. Cheira a queimado. No meio da mata há pequenos focos de fogo. O fedor a carbonizado mistura-se com o de estrume no ar. O motorista aumenta o volume do rádio. Ouve-se o som da moda do Pará: o techobrega é uma mistura de música electrónica e caribenha com sons de órgão e batidas de baile.

Entram duas mulheres loiras com um cão chamado Harley. Os homens que vão na parte traseira da carrinha animam-se em sorrisos lunáticos e “bocas” atrevidas. O clima fica pesado. Anoitece. Há mais fogo na berma da estrada. O fumo tira a visibilidade e intoxica. A ponte que atravessamos está esburacada. Há tatus na berma da estrada, sapos a atravessarem-na e uma enorme cobra morta. Queriam fugir do fogo. Seis horas e meia de estrada para galgar 200 quilómetros e chegamos a Xinguara. A Célia procura uma pousada “decente”. A primeira tem escadas de tijolo, inacabada, quartos com cheiro a esgoto, bichos em festa no chão e o dono garante que não encontraremos “melhor”. A segunda tentativa: o quarto parece uma cela solitária, insalubre, com marcas de vários bichos mortos nas paredes. E a retrete do WC tem manchas coloridas que preferimos não saber o que é. Última hipótese para dormir: temos o “básico” e chuveiro com água fria. “Está bom assim”, achamos. É tarde, e na terra de ninguém não encontraremos “melhor”.

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