Tendas de Campismo/terra indígena

Postado por Vanessa Rodrigues em 15 de Novembro de 2009

Tendas de campismo são ‘terra indígena’ no Pará

Publicado no Diário de Notícias a 8 de Nov´

“Moicaracó! Moicaracó!”, chama pelo rádio o índio Ma ti Krê, cabelo negro, tatuagens nos braços, sapatilhas de marca, calças de ganga e bolsa de máquina fotográfica a tiracolo. A sala onde está sentado é insalubre, com cheiro azedo. As baratas rasam-lhe os pés, há roupa a secar nos fios eléctricos e várias tendas de campismo puídas estão armadas ao redor. Ma ti Krê insiste. Quer falar com o líder indígena da aldeia de Moicaracó, da etnia Kayapó. Ele é Xicrin, de uma aldeia perto de Marabá: são todos “parentes”. Ele tenta sintonizar o rádio: é “o único meio” que as aldeias indígenas no Brasil têm para comunicar entre si e com a Fundação Nacional do Índio (Funai) que lhes dá apoio. São 11 horas da manhã e Ma ti Krê, como muitos outros ‘parentes’ de outras etnias, espera na Casa do Índio de Ourilândia do Norte, no Sudeste do Pará, Brasil, uma resposta sobre se a aldeia Moicaracó será ou não homologada terra indígena, conforme anunciou a Funai para essa semana.

O Presidente Lula da Silva, que anda pela região num périplo de inaugurações com a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, a propósito do Programa de Aceleração de Crescimento, confirmou presença com uma comitiva de peso. Os ‘parentes’ estão entusiasmados com a cerimónia e concentraram-se em Ourilândia do Norte, que serve de ‘base’ para seguir para a aldeia indígena, a mais de 500 quilómetros dali. Até lá só há dois acessos: de avião da Funai ou de carro, com tracção a quatro rodas.

Depois de mais de dez minutos a tentar chamar Moicaracó ouve-se do outro lado da frequência um zumbido e uma voz rouca fala em Kayapó. “É Ai ki Boro”, reconhece Ma ti Krê, referindo-se ao líder indígena da aldeia e passa o transmissor. “Ai ki boro!. Daqui é a sua parente Célia Maracajá da Fundação Curro Velho de Belém. Haverá cerimónia?”, questiona. Ai ki boro garante que sim, que foi adiada “uns dias” e pede para a Célia contactar a Funai em Ourilândia do Norte para nos levar até à aldeia. Célia não está confiante. Despede-se de Ai ki Boro e, enquanto pousa o transmissor, arregala os olhos e torce os lábios como quem diz que alguma coisa está errada. Atrás dela, vários adolescentes estão com os olhos colados no ecrã de televisão. Um deles aproxima-se e pergunta-lhe quando ela dará outra aula de vídeo. Célia explica “o fascínio dos índios” pela imagem. “Eles têm um olhar incrível”, entusiasma-se. “Quando filmamos as festas de alguma aldeia indígena, eles pedem para ver a versão integral, sem edições, e são capazes de ficar horas a ver o filme, com um olhar intenso, genuíno.”

À porta da Casa do Índio, que funciona como um centro de acolhimento, estão acampadas, precariamente, dez famílias de várias etnias. Começam a chegar vários caciques – nome do líder indígena – de outras aldeias. O movimento aumenta. É hora de almoçar: chegam pacotes embalados que a Funai mandou entregar para os “parentes” que moram na Casa. Uma das mulheres indígenas leva dois: um para ela, outro para a filha. Pede dinheiro à Célia para comprar um refrigerante. Coloca o pacote embalado de comida no cimento que tapa o poço e vê-se uma mistura de farofa, massa, arroz, feijão e carne. Num primeiro olhar parecem restos de comida. Ela separa o arroz e a carne e atira o resto ao chão. Só fala Kayapó e pragueja algo que Ma ti Krê traduz. “Todos os dias comemos os mesmos restos, hoje só me apetece o arroz e carne. Amanhã é dia de feijão.”

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