As viagens são janelas sem vidros. São saídas de emergência em constante SOS. Ar fresco que passa pelo corpo e leva a alma atrás. As viagens são caminhos para chegar a casa, sempre. Às milhares de casas que ainda nos esperam de portas abertas, como abraços que nos fazem escorregar.
Esta viagem não inicia aqui. Começou há muito e respira todos os dias antes de ser. Transpira. Liquefaz-se nas coordenadas que ainda estão por dar, na expectativa de agregar sem descobrir, de viver de olhos fechados, enquanto não aprendermos a ver.
E ver pode ser isto: colocar a venda e sentir. De malas feitas em seis sentidos, mais aqueles que a cinestesia esconde e nos faz perceber que o que nos toca, agarra, magnetiza aos outros e aos lugares, é o termómetro da intensidade dos olhares, aromas, tactos, gostos, calores, humanidade, ruídos e silêncios, intuições, e espaços interpretados que não ousamos desvendar.
Queremo-los só para nós. “Schhhhh”: assim baixinho para que ninguém nos ouça. E isso vai connosco. Nas memórias, nos baús internos que reagem como reflexos condicionados do sigilo absoluto do que somos. Ou achamos que somos. E, afinal, quanto de humanidade há nos sentidos?
As viagens sabem-nos. E elas podem ser só isto: um texto que escrevemos e nos leva a levitar, um suspiro calado que nos adormeceu o redor para irmos já-ali-e-voltar. Esta viagem é aqui, portanto, onde o mundo é sempre uma possibilidade. Onde começa. Basta aprendermos a reparar, antes de aprendermos a olhar…
Esta viagem é, portanto, um kit de emergência/urgência/voo para cumprir os sentidos, antes que me punam por não ter sabido reparar que, quem sente assim tem a obrigação de partilhar, nem que seja só um pouquinho.
Esta viagem é milhares delas ao redor do que já se viu, ouviu e sentiu. (?) É um punho cerrado anti-crise global. Uma ficção: esta viagem não existe. Já foi! É uma mão encostada à parede a sentir as rugas da tinta. O estalar do verniz. O romper das veias das árvores, das raízes da terra fofa em que queremos enfiar os pés. Húmida. O aprender a tirar as máscaras, novamente, antes de as pormos.
Esta viagem é sempre um recomeço. Um reinventar de mil pores-do-sol. Cores que não existem, mais os filtros. Até vermos qualquer semelhança com a realidade. Com os sonhos.
Uma viagem é um exercício de diferenças, egos, despojamento, ensaio sobre a verdade e transparências. De dores. Choros, risos, amarguras, borboletas nos estômago, perdições. Uma paleta de emoções que pintamos no ar e para dentro. Viajar é ser pornográfico: explorar ao tutano as cirurgias dos egos dos outros.
É ir largando o “eu-anterior” com o mais leve. E se durante não chegar lá, também não importa. Foi. É. As pegadas podem até desaparecer, mas as impressões digitais envelhecidas provaram que o melhor dos sentidos é saber respirar. E viajar é isso: reaprender a respirar em nós!

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