Exploração mão-de-obra

Postado por Vanessa Rodriguesem 10 de Março de 2010

marajo

A pesca artesanal está a acabar em muitas regiões da Amazónia. Tempos mais “modernos”; dos grandes navios-frigorífico, das grandes empresas da ilegal “pesca de arrastão”, e do desencanto das novas gerações por esta vida dura. Em Vila do Pesqueiro, na Ilha do Marajó, os pescadores acordam cedo por dois reais o quilo. Os atravessadores aguardam o serviço e vendem pelo triplo em Belém

Vanessa Rodrigues

O Raimundo diz que dá para “sobreviver” e que é dinheiro “honesto”. Embora não dê para “ficar rico”, o importante é “sobreviver com dignidade”. O Raimundo diz que “não faz mal”, que já se “acostumou” àquele modo de vida e que “não vale a pena” reivindicar mais, que não daria em “nada”, que “é uma luta difícil, mas se parar é pior”.  Por isso, insiste nesse “modo de vida”, de “sobrevivência”: o que pode e consegue.

O seu único meio de sustento é a pesca, a pesca, ou a pesca. Agora há, ainda, o ecoturismo de base comunitária (VEM – Viagem Encontrando Marajó), que a empresa Turismo Consciente, em parceria com a Estação Gabiraba desenvolve com os nativos da Vila do Pesqueiro, na Ilha do Marajó, (onde vivem pescadores, pescadores e pescadores). Um projecto “a começar”. Mas “melhor”: uma alternativa que se conta pelos dedos, “ainda”. Às vezes (”ainda” poucas) recebe turistas em sua casa. Daqueles que fogem dos hotéis, dos resorts e de um certo modo de vida “fabricado” para turista ver. Arma-lhes a rede, faz-lhes comida, leva-os a pescar, a pegar turu nos manguezais (um molusco que nasce nos mangues apodrecidos e muito apreciado pelos nativos: é afrodisíaco) e conta-lhes algumas histórias dali: que há um descendente de português nas redondezas; que aquela vila já foi mais avançada no rio-mar; que a tradição da extracção do turu se está a perder um pouco mais.

O Raimundo, que também é Délcio, e Jacaré – apelido de adolescência, por ser rápido no passo e ardiloso na pesca – acorda, às vezes, às quatro da manhã. Passa essas madrugadas no rio-mar à procura de pratiqueira e tainha. “Antes havia mais variedade.”

Ele diz muito: “antes-antes-antes”, como se parecesse um passado muito distante , quando é na realidade um antes muito recente. “Há dois anos conseguia mais variedade.”. É verdade, também, que não ganha nada. É verdade que “sobrevive” (já o disse?). É verdade que esse modo de vida, dissecado, é pobre. Miserável. Só que o tempo quente desta Amazónia quase Atlântica, as mangas abundantes e suculentas, a pesca, a farinha barata, encobrem o que poderia ser uma vida mais difícil. Do que arrecada com as mãos, nas redes, vende para o “geleiro”: o barco com grandes arcas frigoríficas, que deram a volta ao comércio pesqueiro da região, subvertendo-o num ciclo vicioso de exploração de mão-de-obra. Os pescadores para sobreviverem, enredaram-se no negócio. Não têm “alternativa”  todo o dinheiro, “mal ou bem, é dinheiro”. Acordam cedo, pescam o que podem, e vendem o quilo a dois reais (pouco mais do que 40 cêntimos).

Os “atravessadores” (as geleiras) só ficam à espera, levam o peixe para Belém, e vendem-no pelo triplo do preço no mercado. Ainda não pensaram em organizar-se na associação para acordarem um preço igual, de forma a não colidirem em concorrência entre si. Não adiantaria, desalenta Raimundo. Já há, até, quem venda mais barato que o “normal”. No fundo, ele tem receio. No fundo, os pescadores, têm medo. O dinheiro já é tão pouco, que correm o risco de ficar sem nenhum, num lugar que vive da pesca, da pesca e da pesca. E, afinal, com medo de os geleiros irem buscar o peixe noutros lugares, onde há ainda outros que vivem da pesca, da pesca e da pesca, e estão dispostos, também, a ganhar algum, ainda que escasso. Em terra onde ele é pouco, “mal ou bem”, dinheiro é sempre dinheiro, para se “sobreviver”, um pouco mais calado, antes que o que está mal, possa ficar ainda pior. O Raimundo não quer que isso aconteça. Diz que dá para sobreviver. “É o que importa!”.

Vila Pesqueiro-Soure

Postado por Vanessa Rodriguesem 30 de Outubro de 2009

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