Banho-de-cheiro, Amazónia

Postado por Vanessa Rodriguesem 17 de Setembro de 2009

pauloteles

Publicado do Diário de Notícias e 13 Set’ 2009

Leva, pelo menos, 30 ervas. Afasta mau-olhado. Atrai o amor, felicidade, purifica, cura.

“É para isso que serve o banho-de-cheiro”, assegura o erveiro (nome que se dá a quem trabalha com a colecta e preparação de plantas na Amazónia) Paulo Teles, morador em Boa Vista do Acará, referindo-se ao tradicional banho de ervas do Pará. Ele que é um dos últimos erveiros genuínos da região.

Paulo diz ao DN que já perdeu há muito a conta aos anos que trabalha com estas ervas. Recolhe-as meticulosamente na mata, prepara-as e vende-as depois no Mercado Ver-o-Peso, em Belém. Garante que já curou “algumas pessoas” com elas.

Patcholi, pau-de-angola, sementes de cumaru, raízes de priprioca, sândalo, cedro.

“Demasiadas ervas para me lembrar”, suspira.

Antes do São João, o Pará enche-se do hábito, só que “nos últimos anos tornou-se “moda”, diz. Ele já não se lembra da última vez que tomou um, “nem há segredos na mistura das ervas”.

É só “recolhê-las, juntá-las à água, misturar e triturá-las com as mãos para abrir os aromas”, descreve o erveiro.

Posteriormente a água come- ça a ganhar um cheiro intenso, cor acastanhada, e, quando escor- re pelo corpo, o cheiro vai-se en- tranhando.

Fica assim durante dias. “E leva com ele todos os problemas”, assegura Paulo Teles, dono e senhor dos segredos das ervas que atraem o amor e podem até, segundo reza a tradição, curar alguns males mais persistentes. Do corpo e da alma.

Açaí e mandioca são dois tesouros do Pará

Postado por Vanessa Rodriguesem 16 de Setembro de 2009

boavistacara1

Publicado no Diário de Notícias a 13 de Set’ 2009

O açaí chega às cinco da manhã. Sai dos barcos, em cestas, arrastado a dezenas de mãos e corpos nus antes do amanhecer. Às nove horas já só restam duas que carregam esses pequenos bagos de fruta cor-de-beringela, no Porto da Palha, em Belém, no Brasil. Há folhas de palmeira espalhadas pela madeira do pontão. E resta um cheiro a suor dos corpos que carregaram centenas de produtos regionais. É neste porto, escondido nos arredores da cidade, que “a maioria das famílias das ilhas da região vem vender farinha de mandioca e, sobretudo, açaí, um dos principais alimentos de Belém”, conta ao DN Ana Gabriela Fontoura da Estação Gabiraba, empresa local dedicada ao Ecoturismo de base comunitária. “É um dos mais importantes, mas está um pouco degradado, sobretudo porque quem o domina são grandes empresas locais.”

O caboclo ainda tenta vender o último cesto de açaí que no Pará se come com farinha e peixe, ao contrário do resto do Brasil que o consome doce: uma “heresia” para os paraenses.

Já se desamarram cordas dos barcos. O mundo “ribeirinho” que atraca aqui de madrugada está de regresso a casa. Alguns para Boa Vista do Acará, uma comunidade do município com o mesmo nome a sudoeste de Belém. Este ano a Estação Gabiraba fez uma parceria com a Associação de Produtores locais: levam um pequeno grupo de turistas que querem conhecer o modo de vida das comunidades; as famílias dão-lhes o que a terra tem de melhor: saberes, tradições e gastronomia com temperos amazónicos. Segundo Ana Gabriela, o método “ajuda na renda familiar” e a “preservar o modo de vida tradicional. “Mudar os hábitos das populações em nome do que se acha ser desenvolvimento, não é a solução dos povos da Amazónia. Senão, um dia, quando se visitar as comunidades, elas vão dizer: antes fazia farinha, hoje vivo do turismo”.

Para passarmos para o barco que vai para Boa Vista é preciso atravessar outro, sentir o balanço da água, e saltar, para um novo desequilíbrio flutuante. Depois, solta-se a corda e o barco desliza pelas margens do rio Guamá, onde escoa a foz da bacia, banhando a cidade ao sul. A comunidade de Boa Vista do Acará está a uma hora de tolerância do barulho do motor “pó-pó-pó”, como se chama a este tipo de barcos, lentos, na gíria local. São o principal transporte de quem aqui mora.

Entra-se no canal principal. Há casas com tábuas de madeira nas margens, igarapés (canais estreitos), canoas, crianças a tomar banho na água cor-de-terra. Já a farinha de mandioca que Luísa Vilhena, 56 anos, amassa com as mãos na Casa de Farinha em Boa Vista do Acará é branco-cru. Mas a melhor mandioca para fazer o tucupi, o tempero principal da gastronomia do Pará, feito da raiz dela, “é a amarela”. Luísa corta-a, rala-a, põe-na na água para “pubar” – amolecer – durante uns dias, amassa a que já amoleceu com as mãos calejadas de vida e coloca-a num tipiti – instrumento tecido com talas de arumã, uma espécie de palmeira – para escoar a água. Minutos depois retira-a. Peneira-a e atira-a para o forno artesanal, a lenha, que o Valdomiro, o marido, está a misturar com uma espátula de dois metros para a cozer. Sacode-a no ar. Uma hora depois está pronta para comer. “É uma vida de muito sacrifício, todas as semanas. E a mandioca tem um tempo próprio. Às vezes levantamo-nos à uma da manhã para a preparar e levar para vender no mercado.”

Hoje, a comunidade de Boa Vista do Acará, além da farinha, completa a renda com jóias de sementes locais, frutas, ervas da floresta e a plantação de priprioca. A associação da comunidade dá uma ajuda na gestão, para ajudar a preservar “os tesouros do Pará”.

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