Publicado no Diário de Notícias a 6 Set 2009
Delso insiste que não. Aquele bicho preto peludo do tamanho da mão de uma criança não é uma tarântula. “É uma aranha comum aqui da ilha de Cotijuba e a picada dela dá comichão.” O problema é que por onde ela passa “deixa um rasto que provoca uma alergia que se espalha pelo corpo”, explica melhor Delso Conceição, que nasceu na ilha, a 50 minutos de barco de Belém, no Brasil. O miúdo de pele morena, que espreitava pela janela, também não se incomodou quando a grande aranha começou a trepar as paredes de madeira da casa onde mora. Ficou a contemplá-la como um brinquedo.
“Pior do que a picada dela”, lembra Delso, “seria a de uma cobra”. “Precisaríamos de um antídoto, poucos minutos depois. Começamos a sentir sede, mas não podemos beber água, senão su- focamos.” Se isso acontecesse “não teríamos tempo”, por isso, “é melhor olhar bem por onde pisamos”. No meio de uma floresta densa como esta, a da ilha de Cotijuba – que em tupi, língua indígena, significa trilha dourada – com vegetação alta, ramos indisciplinados, folhas e lama secas, por onde o rio Guamá, ao fim da tarde, a vem humedecer, o exercício é apenas feito com destreza por quem lhe conhece os segredos.
Não para quem pisa, por aqui, pela primeira vez.
Dona Célia Silva ri-se do episódio. É ela que vai emprestar a rede para dormir. Diz que, nessa noite, haverá duas luas. E só ela as conseguiu ver, enquanto os hóspedes da casa dormiam na rede. “Eram duas bolas cor-de-laranja forte no céu”, conta. E agora quer provar que, afinal, a aranha peluda que parece “tarântula” é “tão inofensiva” que ela até toma conta de uma, “que se esconde no telhado da casa há anos”.
Célia, 59 anos, é uma das mulheres associadas ao Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB). “Desde que a associação foi formada criaram-se várias oportunidades de renda complementar para a comunidade”, diz, contando que graças ao MMIB sabe, hoje, “fazer sabão, água sanitária, aproveitar sementes e desidratar folhas” para fazer biojóias, bijutaria de produtos da natureza.
“Nós temos toda a matéria-prima e precisamos saber a utilizá-la. Há ilhas à volta que não têm a oportunidade que estamos a ter”, diz. O MMIB tem o apoio do Instituto Peabiru, ONG voltada para a biodiversidade que, além dos cursos, ajuda na realização de projectos sócio-educativos; e da empresa de cosméticos Natura, que recebe anualmente da comunidade a priprioca, planta aromática típica da Amazónia.
Segundo Adriana Gomes, coordenadora administrativa do MMIB, “o cultivo da priprioca é uma importante renda complementar de algumas famílias da comunidade e que veio valorizar o trabalho de extracção sustentável”.
Depois fala em “emancipação”. É que através das “actividades do MMIB”, como de empreendedorismo, e cursos de novas tecnologias, pelo projecto “Oi, Guia-me Belém”, já conseguiram “capacitar várias pessoas” da comunidade. “Isso ajudou-nos muito, diminuindo as diferenças em relação às oportunidades de uma grande cidade. Há até algumas mulheres que se valorizaram mais, percebendo que podiam ter uma actividade profissional”, além da de doméstica, “pois a comunidade é, ainda, muito machista”, diz Adriana Gomes.

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